Baluarte da Estação Primeira de Mangueira, Nelson Sargento canta, compõe, escreve, pinta quadros e atua na dramaturgia. A receita de tamanha vitalidade, ou pelo menos sua versão oficial para tanta energia, não é nem mais segredo: ele há tempos garante ter feito, na casa dos vinte e poucos anos, quando viu que muitos de seus amigos morreriam antes de chegar aos trinta, um acordo com Deus para viver até 2050. Ou seja, pelo menos até os 126 anos.
Nelson Sargento mostrou que a memória, reverenciada como uma grande enciclopédia do samba brasileiro, continua afiada: ele reconheceu cada personagem das imagens em que aparece e cantarolou alguns de seus sucessos. Confira abaixo a galeria comentada pelo ex-parceiro de Cartola e veja no player acima o vídeo gravado no encontro.
“Quando eu saí do Exército, eu só sabia cantar e pintar paredes. Me dediquei às duas coisas. Anos depois, comecei a pintar também quadros. Uma vez, pintei um e acabei mostrando ao Sérgio Cabral, o pai (jornalista e compositor de samba). Ele me disse: ‘Isso está muito bonito. Vá lá e pinte mais’. Então, estou fazendo até hoje”, contou Nelson, ao comentar a foto de exposição feita em 1984.
"Eu com Monarco, Dona Ivone Lara e Wilson Moreira... (pausa) Sabe o que eu digo quando estou vendo fotografias assim, o que eu exclamo? Eu digo que estou tropeçando com o passado. Isso é muito bom".
Ele sorri ao rever parte da Velha Guarda da Mangueira, reunida em 1980: “Ah! Xangô, Padeirinho, Jorge Zagaia, Nelson Sargento e Babaú da Mangueira. Babaú é dono daquele samba que é assim (e começa a cantarolar): Ai, ai, meu Deus! Tenha pena de mim. Todos vivem muito bem, só eu que vivo assim”.
"Foi no ano em que a Mangueira foi campeã homenageando Chico Buarque (com o samba enredo 'Chico Buarque da Mangueira', em 1998). Cristina, Nelson Sargento, Marrom e João Nogueira. Gosto muito desse camarada, o Buarque. Ele tem umas tiradas sensacionais: 'Não se afobe não, que nada é pra já'". A escola voltaria a ser campeã após 10 carnavais.
Nelson Sargento abre um sorriso ao se deparar com a foto. “Essa aqui parece que eu conheço todos, né? Noca (da Portela), Beth (Carvalho), João (Nogueira), Elza (Soares), Zé Kéti e eu. A Elza até hoje com esse cabelo espalhado”. Provocamos o cantor perguntando se tinha que ser bamba para estar nessa foto, que parece um sexteto de bambas. "Eu acho que sim", respondeu ele, sorrindo.
“Walter, meu alfaiate, meu amigo. Desde que ele morreu (em 2010), quem faz minhas roupas é o alfaiate da Mangueira. Essa calça aqui foi feita pelo Walter Alfaiate. Faz parte do terno feito para o show do meu aniversário de 2008, no Canecão. Na época eu estava lançando um disco, o 'Versátil'”.
Ao se deparar com a foto posada que ilustrou uma entrevista sobre seu aniversário de 50 anos, Nelson Sargento voltou a demonstrar bom humor. "Dessa careta aqui eu gosto", e ri. Em outra imagem, o lado cômico volta à cena: "Eu não me incomodo de aparecer só com esses dois dentinhos na foto, não. Porque depois eu coloquei foram dentões".
"Gostei de todas, todas essas fotos são as minhas preferidas. Mas gostei especialmente dessas em que estou com outros músicos. É gente que já está aos cuidados de Deus, e outros que ainda estão aqui conosco. Eu sempre dispensei e dispenso muito respeito a cada um deles, e eles sempre disseram que eu era um rapaz muito educado".
Ao perguntar se poderia ficar com alguma das imagens e descobrir que poderia levar todas as cópias, Nelson Sargento se emocionou: "Assim você mata o velho". E pediu um lenço ao filho Ronaldo Mattos e à nora, Lívia. Com os olhos marejados, deu a seguinte instrução: "Quero que mande encadernar, que coloque uma capa com a bandeira da Mangueira, e guarde para, no futuro, entregar ao meu neto mais novo".