Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Correio Braziliense segunda, 04 de novembro de 2019

NATALHA NASCIMENTO: VIDA DE LUTA E SONHOS REALIZADOS

 

Vida de luta e sonhos realizados
 
Natalha Nascimento trocou uma indenização em dinheiro pela chance de proferir uma palestra de conscientização para pessoas que a ofenderam e agrediram. E essa foi apenas uma das várias batalhas que enfrentou e venceu na vida

 

Deborah Fortuna

Publicação: 04/11/2019 04:00

 

"Eu sou a única transgênero, negra, favelada licenciada em matemática da América Latina de que se tem notícia. Muitas meninas queriam ter a oportunidade que eu tive e infelizmente não tiveram"

 

 
Era mais um dia em que Natalha Nascimento andava pela Rodoviária do Plano Piloto. Mais um dia de olhares de desaprovação e mais um dia em que, ao passar em frente a uma pastelaria, passou a ouvir ofensas dos funcionários. Naquele 26 de abril, porém, a mulher negra e transexual cansou-se de ouvir calada os xingamentos. 
 
Parou e perguntou por que aqueles homens sempre se comportavam de maneira tão hostil com ela. Então ouviu de um deles: "Eu faço piadinhas quantas vezes eu quiser, seu veado". A frase, somada ao longo tempo de humilhação, fez Natalha perder o controle. "Aquilo foi o estopim. Eu cuspi nele", recorda, dois anos e meio depois.
 
 A reação de Natalha, hoje com 36 anos, fez o homem partir das ofensas para a agressão física. "Eu lembro que caí de costas e que meus cabelos estavam presos na mão dele. Depois, levei um chute na costela", conta. Os outros funcionários apenas olhavam. Foi uma voz distante que a salvou. "Alguém disse para ele não fazer aquilo, que era covardia."
 
Ela só buscou uma delegacia dois dias mais tarde, após uma conversa por telefone com a mãe, que mora no Pará. Depois, Natalha foi ao Conselho de Direitos Humanos, e a denúncia virou processo. "Eu acionei a Justiça porque não vi nenhum crime ou erro cometido por mim que motivasse o comportamento dos funcionários", explica. 
 
Em uma audiência conciliatória, foi oferecida uma indenização, mas Natalha recusou o dinheiro. Queria um pedido de desculpas e a oportunidade de dar uma palestra sobre diversidade e gênero aos funcionários, o que foi aceito pela empresa. Apesar de o agressor não ter participado nem pedido desculpas, outros homens que também a tinham ofendido estavam ali para escutá-la. "Foi uma forma de resgatar o que era meu. Acho que surtiu efeito. Voltei a passar lá na frente e faço isso até hoje. Nunca mais ouvi uma palavra, mas também evito olhar para eles."
 
Cicatrizes
 
O episódio, que tornou Natalha conhecida no país inteiro, após o acordo feito na Justiça ser noticiado por diversos veículos, é só uma das várias batalhas enfrentadas pela mulher nascida na pequena Açailândia, no interior do Maranhão. As cicatrizes nas mãos, no colo e no punho são sinais de uma vida de luta, com muitos sonhos realizados, mas também vários reveses.
 
 Um deles, que ainda machuca a ponto de Natalha não gostar de falar sobre, a tirou de sala de aula. Formada em licenciatura em matemática pela Universidade Estadual de Goiás, ela sempre quis ser professora, o que fez até 2013, ano em que decidiu deixar a sala de aula. "Naquela época, estava uma loucura, com opiniões muito contrárias", limita-se a dizer.
 
Mais um recomeço. Trabalhou como copeira, doméstica e atendente de lanchonete, até que voltou à escola, desta vez, como educadora social voluntária em um colégio na Estrutural, onde mora. Ali, ouve os alunos, acolhe suas angústias e ajuda na inserção dos que se sentem excluídos, como uma aluna autista, que merece grande parte de sua atenção. "Eu percebo que estou contribuindo para a construção de cidadãos fortes", fala sorrindo, sentada na sala da pequena casa em que mora com o cachorro Mailo, cercada de livros de matemática e português.
 
Motivo de orgulho
 
A atuação como educadora social também a ajuda a se preparar para um retorno à sala de aula, um lugar, segundo ela, "impressionante". "Estou engatinhando para voltar hoje", anuncia, com a paciência e o respeito ao próprio tempo que aprendeu a cultivar. Afinal, Natalha sabe que as conquistas até aqui não foram poucas.
 
 Na pequena Açailândia, chegar à universidade era algo "muito distante". Para uma pessoa trans, parecia impossível. "Eu sou a única transgênero, negra, favelada, licenciada em matemática da América Latina de que se tem notícia. Isso é para mostrar o tamanho da desigualdade. Muitas meninas queriam ter a oportunidade que eu tive e infelizmente não tiveram", aponta.
 
Outra oportunidade que Natalha abraça com todas as forças é a própria vida. Dados da União Nacional LGBT apontam que o tempo médio de vida de uma pessoa trans no Brasil é de apenas 35 anos. "Ser uma pessoa transgênero e chegar aos 36 anos de idade é um orgulho. Eu tenho apreço pela vida. Esse é o bem mais precioso que eu tenho."
 
 
 
Especial
Para marcar o Mês da Consciência Negra, a série Histórias de consciência é publicada ao longo de novembro e presta homenagem a mulheres e homens negros que ajudam a construir uma Brasília justa, tolerante e plural. Todos os perfis deste especial e outras matérias sobre o tema podem ser lidos no site www.correiobraziliense.com.br/ historiasdeconsciencia .
 
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