12 de junho de 2020 | 05h00
Passar a quarentena numa casa de família em Jaú, a 300 quilômetros de São Paulo, tem servido para mitigar o desalento de Nando Reis com o noticiário. Cria da selva de concreto, é no mato que ele vem encontrando ocasiões para ocupar a cabeça. Em uma ligação nesta semana com a reportagem, mugidos de vacas foram trilha sonora para uma entrevista em que o cantor e compositor refletiu sobre o País e sobre como ele e sua arte podem se encaixar no momento.
“Estou aqui há três meses”, diz Nando. “Foi uma gangorra de sensações, entre momentos de tranquilidade, apreensão, entusiasmo, aflição, simplesmente contemplação… Fiquei angustiado, fiquei feliz… Curiosamente, o trabalho para a primeira live foi o que me pôs de novo com mais disciplina para trabalhar. Fiquei um tempão sem sequer abrir o violão, mas quando peguei fui me acostumando, sentindo prazer com aquilo de novo. Foi numa dessas que compus uma canção bonita, que pretendo gravar.”
Nando Reis faz sua terceira live do período nesta sexta-feira, 12, Dia dos Namorados, às 19h, em seu canal do YouTube. A apresentação abre um “minifestival do amor, à distância”, que terá também, mais tarde, Duda Beat e Anavitória – um EP de Nando com a dupla, gravado num show em 2018 em São Paulo, também chega às plataformas de streaming no mesmo dia. “É engraçado que ter um tempo livre pode pressupor que seja um momento adequado para produzir e fazer”, diz o cantor. “Mas a questão funciona de maneira mais insondável, mais misteriosa. A própria pressão funciona mal.”
O formato de lives foi uma das alterações que a pandemia trouxe para o meio musical, e ele também teve de se adaptar, mas conta que o trabalho no canal do YouTube, anterior a tudo isso, ajudou a entender melhor o processo de se comunicar com as pessoas de maneira remota. O fato de sentar-se num banquinho e tocar um violão foi o que sempre fez, afinal. A real novidade é o alcance de cada live, que pode reunir centenas de milhares de pessoas em todos os cantos. “Tudo o que faço trabalha com a linguagem, a canção tem que se conectar com o veículo e a forma causa um efeito também.”
Apesar de estar isolado, Nando tem a companhia dos filhos e de outras pessoas na casa, e acompanhar o noticiário – desalentador, nas suas palavras – se torna inevitável. “Também preciso me cuidar, porque só de ler o nome do presidente me dá um ódio, isso faz um mal tremendo.” A canção, então, pode ir na contramão desses sentimentos.
“A cada dia se inventa uma crise, há uma tensão, um desgaste no qual evidentemente a canção é um conforto e pode agir como um bem-estar, no sentido de atender a terminais dos anseios das pessoas que não se resumem só à aversão a isso tudo que está acontecendo. É um desgaste tão grande porque eu me proponho a entrar num outro âmbito das coisas, que no fim são as coisas pelas quais a gente luta, justiça, felicidade.”
Um de seus filhos, Sebastião, também participará da apresentação ao vivo. Em 2002, Nando lançou com os Titãs O Mundo É Bão, Sebastião. “Por que o Sol saiu / Por que seu dente caiu / Por que essa flor se abriu / Por que iremos viajar no verão/ Por que aqui o mundo não será cão”, cantava, antes de entrar no refrão e repetir a mensagem otimista para o filho. A percepção mudou, quase 20 anos depois?
“A canção é de esperança, e acho que se aplica bem inclusive em tempos sombrios, como este que estamos vivendo. Embora feita para uma criança, está longe de ser negacionista (risos). É uma forma lúdica de dizer que o ‘bão’ é uma forma de como fazer, e como faremos. Faz sentido ter consciência do quão ruim a situação pode estar.”