RIO — 'Foi mara'. A mensagem pipocou no WhatsApp do repórter às 22h44m da última quinta-feira para celebrar um date virtual bem-sucedido. Do outro lado do chat estava a designer Izabel Procópio, de 21 anos. Ela havia contado, numa conversa por telefone durante a tarde, como estava administrando a vida social e afetiva em meio à pandemia de coronavírus. Moradora do Rio, a jovem cumpre quarentena na casa da mãe, em Tiradentes, cidade histórica de Minas Gerais, e tinha programado para aquela noite o seu primeiro “encontro” com o músico Pedro Fi, de 26, via FaceTime.
— Eu o conheci num sarau, há uns três meses. Desde então, tentávamos nos ver, mas nunca conseguíamos por causa da incompatibilidade de horários. Ele, então, me mandou uma mensagem dizendo que queria muito me “encontrar” nesses tempos de quarentena e perguntou se eu topava tomar uma cerveja numa chamada de vídeo. Achei a ideia ótima e marquei para depois do “Big Brother Brasil” — conta ela, que acabou optando pelo vinho: — A quarentena é, de fato, uma questão para os solteiros, porque o prazer, seja sexual ou afetivo, é uma necessidade vital.
Assim como milhões de pessoas ao redor do mundo, Izabel e Pedro tiveram que usar a criatividade para não abrir mão dos flertes durante a pandemia que exige, cada vez mais, condições estritas de isolamento. Eles só não aguentaram esperar até o fim do reality show na TV. O papo começou antes e rendeu quase três horas. Na avaliação de Pedro, fluiu até melhor do que se tivesse acontecido num local movimentado. Palavra de quem se diz antiquado em relação ao uso das tecnologias nessas ocasiões:
— Nem sei o que deu em mim para sugerir essa ideia. Mas pensei que, se não fizéssemos isso logo, talvez não nos encontrássemos mais, já que essa situação vai demorar a passar. Achei bom, conseguimos focar nas falas um do outro.
Izabel também enxergou vantagens. Do mesmo jeito que o encontro com Pedro foi bom, a distância teria sido oportuna caso o resultado fosse o oposto.
— É bom porque não tem aquela pressão de beijar. A conversa fica muito genuína, e não há preocupação com a roupa. Se você não gostar da pessoa, é só não sair com ela depois. É como se fosse uma triagem — brinca.
Novos 'matches'
Para quem usa aplicativos de paquera, a rotina também está diferente. Entre os mais populares no ramo, o Tinder divulgou uma nota: “À medida que uma área se torna mais afetada pelos acontecimentos atuais, especialmente por isolamento físico, notamos que mais conversas acontecem nessas regiões e os papos são mais longos do que o normal”. Sem falar em números, a empresa informou que a pandemia está mudando a maneira como os usuários se apresentam: “Muitas pessoas usam as biografias para mostrar sua preocupação pelos outros, ao invés de algo apenas sobre si mesmo”.
A gestora de pessoas Sylvia Corrêa, de 32 anos, observa que os matches bem-sucedidos migraram para plataformas mais pessoais, como o WhatsApp, e têm rendido melhor nesses dias. Por outro lado, ela teve que desmarcar um encontro agendado para este fim de semana, embora não negue que a quarentena soou providencial diante de uma outra proposta.
— Tinha uma pessoa com quem não queria me encontrar, e a recomendação de isolamento foi a desculpa perfeita — admite.
Já a atriz Caroline Frizeiro, de 26 anos, resolveu unir o útil ao agradável. Depois de cancelar um encontro com um rapaz por causa das recomendações de quarentena, resolveu avisá-lo que iria ao supermercado na sexta-feira.
— Mandei uma mensagem para o consagrado, e ele foi também. Acabamos fazendo compras juntos. Agora, a conversa entre nós está muito natural — comemora Caroline, acrescentando que o papo voltou para o campo virtual, pelo menos por ora.
As trocas de mensagens também se intensificaram no Grindr, aplicativo de encontros voltado ao público gay. Usuário da plataforma, o stylist Antonio Schuback, de 25 anos, afirma, porém, que alguns diálogos mudaram de tom:
— Tem gente que usa a quarentena como desculpa para trocar nudes, mas também há quem vá para o lado do desabafo. Esse tipo de papo não era muito comum por lá.
Apesar das recomendações de isolamento, Schuback conta que algumas pessoas ainda insistem nos encontros.
— Tem gente que fala: “Ah, mas estamos tão pertinho...”. Quando isso acontece, eu dou uma “militada”, explicando como é um comportamento perigoso — afirma o stylist, que mora sozinho e não quis receber nem o fotógrafo para o registro acima.
Há, ainda, quem prefira desinstalar todos esses programinhas de seus celulares durante o período. É o caso do maquiador Brenno Melo:
— Para você ter uma ideia, estou vendo “Ursinhos Carinhosos”. Quero deixar a mente livre de qualquer furor sexual. O isolamento vai ser praticamente um celibato.
Freio nos impulsos
Segundo o psicólogo e pesquisador da comunicação humana Cláudio Paixão, professor da Universidade Federal de Minas Gerais, o isolamento se faz especialmente desafiador para os brasileiros , que são muito afeitos ao contato físico.
— Basta observar como as vias das cidades confluem para grandes aglomerações em seus Centros — ilustra.
Além disso, de acordo com ele, a própria ideia de quarentena é instigante para muitas pessoas, sobretudo para aquelas que sentem prazer em desafiar regras ou viver perigosamente. Mas, como ele lista, não faltam bons motivos para contermos nossos impulsos.
— As pessoas devem aproveitar para conversar por mensagens e se conhecerem melhor. Se esse contato prosseguir, imagine como não vai ser intenso quando finalmente se encontrarem, depois da quarentena? — sugere o professor: — Temos a chance de descobrir como tirar partido dessas relações virtuais. É uma boa maneira para mantermos a sanidade, mesmo para quem tem esse “impulso procriativo” tão intenso.