NA FLÓRIDA, BOTEI GRINGO PRA CORRER
Raimundo Floriano
Boeings DC 10 e 747-300, meus competentes arrochadores esfincterianos - Acervo Google
É batata! Não falha! Não sei se o fenômeno é biológico ou psicológico! Toda vez em que eu entro num avião, meus intestinos – delgado e grosso – param de funcionar! No momento da decolagem, baixa em mim o espírito do Caboco Tranca-bunda!
Essa aflição perdura por vários dias. Em vista disso, procuro fazer viagens curtas, retornando o mais rápido possível, com o objetivo de desarrochar o fiofó em casa. Nas mais recentes que fiz, ao Recife, a Balsas e a São Luís, demorei, no máximo, três dias. Para estadias mais longas, procuro acautelar-me, levando na bagagem vários vidros de laxante.
Assim aconteceu na última viagem que fiz aos Estados Unidos, mais precisamente para Orlando, aos Parques da Disney, em 2001, presente para minha filha mais nova, que completava 15 anos.
Quando entrei o DC-10 da Varig, de Brasília para São Paulo, senti o tranco no bucho. Não foi novidade. De São Paulo para Miami, num 747-100 também da Varig, eu só conseguia expelir alguma coisa por vias urinárias. Durante o voo, quase todo sobre o Oceano Atlântico, e até desembarcar em Miami, fui logo me preparando para o suplício estomacal, tomando umas três lapadas de Agarol, o mais eficiente laxante que conheço.
Em Miami, deram-nos a notícia de que seguiríamos em aviões diversos até Orlando. Minha família embarcou num jatinho, e eu fui encaminhado para uma velha aeronave, de hélice, Modelo ATR-14, como aí vocês veem:
O ATR-14 americano - Acervo Google
Já gostei da mudança. Avião de hélice, em especial o bimotor, dificilmente cai. Para minha tranquilidade, antes do embarque, vi as tampas dos motores abertas e dois sujeitos com chaves de fenda e almotolias apertando parafusos e lubrificando engrenagens, o que me tirou, por completo, o medo da viagem.
ATR-14 era antigo mesmo, com a pintura meio descascada, bancos puídos, mas o ronco era de respeito. Que saudades de meus tempos de DC-3 da Cruzeiro do Sul! A aeromoça era uma creole americana, bem-nutrida, de seus 60 anos.
Tentei pegar no sono, mas não consegui. Apanhei uma revista, mas, quando comecei a folheá-la, dei uma olhada lá pra baixo, querendo apreciar a paisagem, e espantei-me ao ver que voávamos sobre o mar. Se assim fosse, o piloto errara o caminho, estávamos era voltando para o Brasil. Resolvi interpelar a colored. Quando ela passou por mim, com um litrão de Coca-Cola e copos de plástico, apontei para o aguaceiro abaixo e, no melhor do meu Inglês, interroguei-a:
– The book is on the table? – Ela me encarou, com jeito de aborrecida e apenas falou:
– What? – Voltei a apontar para o mar abaixo e repetir a pergunta:
– The book is on the table? – Aí, a stewardess respondeu-me, com ar de desprezo:
– Ocaxôubi! – Só mais tarde, vim a saber que o tal oceano que sobrevoáramos se tratava do Lago Okeechobee!
Lá em Orlando, reunida a família, começamos a visitar os Parques programados no pacote turístico, meu povo se divertindo a valer, e eu, desesperadamente, a mandar pra dentro quatro doses diárias de Agarol.
Com uma semana lá, a atração era o Parque Wet’n Wild, que fica numa avenida muito maior que o Eixão de Brasília, denominada International Drive.
Parque Wet’n Wild - Acervo Google
Passaríamos o dia inteirinho lá. Enquanto meu pessoal se deleitava nos diversos brinquedos e atrações, aproveitei para fazer as compras da extensa lista de encomendas de parentes e amigos. E no propósito de conseguir, para minha caçula, uma versão gigante do boneco Piu-Piu, que lá eles chamam de Tweety.
Ao sairmos do hotel, para precaver-me contra a ausência de alimentos para diabéticos em todo lugar do mundo, eu pegara duas maçãs e uma salsicha de frango e enfiara na pochete fornecida pela companhia turística.
Piu Piu, ou Tweety - Acervo Google
Fui às compras a pé. No calorão da Florida, todas as lojas permanecem com suas portas fechadas, mas, lá dentro o ar condicionado funciona, no mais alto grau, tornando o ambiente completamente gelado. De fora, você vê aquele avenidão deserto, numa segunda-feira, parecendo com qualquer casa comercial brasileira em dia de domingo, porém, quando entra nas lojas, elas estão apinhadas de gente.
Eu já tinha comprado um aparelho de Fax, cordas pra violão, bocal de saxofone e outras miudezas e ia caminhando cabisbaixo no calçadão, sopesando aquelas quinquilharias, quando quase abalroei uma jovem família de americanos, o pai carregando no ombro um boneco gigante do Piu-Piu. Do tamanho que eu procurava. Não contive meu júbilo. Olhei para o gringo, apontei para o boneco e perguntei:
– The book is on the table? – Esse cara me pareceu mais inteligente que a aeromoça, pois me entendeu sem pestanejar. Botou o indicador em direção duma loja amarelona e me informou:
– Over There!
Nem agradeci! Rumei apressadamente para a loja, porém, ao entrar, grande decepção: a fila era extensa, e o estoque de bonecos estava se acabando na prateleira. Além do mais, com americano é assim, se você estiver numa fila, na boca do caixa, e chegar um deles, o cara passa pra sua frente numa boa. Contei as pessoas na fila, os bonecos, calculei que, com imensa sorte, ainda conseguiria o meu, e resolvi encarar a empreitada. Prestes a ser atendido, entrou porta adentro uma turminha de americanos, meninada barulhenta, que foi logo se postando na dianteira de todo brasileiro que via. Pensei: dei com os burros n’água! Para consolar-me, e como estava com fome, resolvi almoçar ali mesmo na fila. Peguei a salsicha de frango que trouxera na pochete, começando a comê-la. E foi aí que se deu a desgraceira!
No que o primeiro naco bateu lá dentro, meu estômago, que não funcionava há uma semana, resolveu agir, atender aos apelos do poderoso laxante! Formou-se dentro de mim um bolo de gases que subia, descia, ia prum lado, ia pro outro, até que tomou o rumo certo e se transformou numa prolongada, mas silenciosa bufa. Fedorenta, podre, quase mortal, durando cerca de um minuto, impregnando, no ambiente gelado, tudo e todos os que se encontravam no interior da loja.
Foi uma parada pra desmantelo! Espirrou gringo pelas portas da loja, como o diabo fugindo da cruz, todos eles tapando as ventas e gritando oh me, oh my! Só ficaram lá dentro os empregados e alguns brasileiros que também queriam o boneco e não estavam nem aí para a bufa. Fiquei sendo o primeirão da fila.
Quando a vendedora falou next! – Apontei-lhe o boneco e perguntei:
– The book is on the table? – A americana entendeu logo o que eu queria, pois me respondeu na lata, sem respirar:
– Fifty dollars! But if you go away now, immediately, it’ll be free of charge to you! Do you go? Please?
Minha cara avermelhou! Como que a gringuinha descobrira ter sido eu o bufador? Naquela circunstância, restava-me, apenas, assentir, o que fiz com esta bem elaborada frase:
– Oh, yes, I do!
Saí de lá com o Piu-Piu sem gastar um puto e pensando assim:
– Eita povo bom da mulesta!
"