Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Caindo na Gandaia terça, 21 de fevereiro de 2017

NA COPA DE 1974, QUASE ME BORREI DE MEDO

NA COPA DE 1974, QUASE ME BORREI DE MEDO!

 

Acervo Google 

                        Aconteceu no dia 3 de julho de 1974, data em que eu completava 38 anos! Naquele dia, o Brasil jogaria contra a Holanda, então conhecida como Laranja Mecânica!

 

                        A Seleção Brasileira já entrou na Copa/74 derrotada. Sem contar com os craques Carlos Alberto, Brito, Clodoaldo, Gerson, Tostão e Pelé, que nos maravilharam na conquista do Tri, em 1970, surgia uma geração de perdedores, que só levantaria a cabeça 24 anos depois, em 1994, com a genialidade de Romário e Bebeto, ao sagrarmo-nos Tetra. Em 1974, ficamos em 4º lugar.

 

                        Mesmo com o Brasil praticamente entrando em campo para cumprir tabela, a Banda da Capital Federal fez a festa do povão nos três primeiros jogos, porque nosso objetivo era a alegria das ruas, a presepada, a aprontação, a paquera, com nossas marchinhas, sambas e frevos, coisas das quais os brasileiros tanto gostam, não importando o resultado em campo.

 

                        Empatamos o primeiro jogo em 0x0 com a Iugoslávia; o segundo, também sem abrir o placar, com a Escócia; ganhamos do Zaire por 3x0, passando para a 2ª Fase. Nesta, ganhamos da Alemanha Oriental por 1x0 e da Argentina por 2x1. Aí, tivemos de encarar a Holanda, que vinha comendo todo mundo pelas beiradas.

 

                        Aquele 3 de julho caiu numa quarta-feira.  Como a partida terminaria já na boca da noite de um dia útil, combinamos que, na hipótese de sairmos vitoriosos, o desfile seria no Guará I, com a Banda se reunindo na QI 12, Conjunto U, daquela satélite, onde eu residia.

 

                        Desfilariam como Porta-Estandartes, naquela noite, Graça Souza, minha colega na UDF, e Edna Neves, filha do Sebastião, trombonista da Banda, de quem passarei a falar.

 

                        Sebastião Francisco Neves tocava escaleta, sanfona e qualquer instrumento de bocal. Mineiro de Belo Horizonte, pertenceu, na graduação de 3º Sargento, às Bandas de Música da Polícia Militar de Minas Gerais, do 12º Regimento de Infantaria e do BGP – Batalhão da Guarda Presidencial. Conhecemo-nos na caserna, ainda nos tempos pioneiros de Brasília.

 

                        Intelectual de vasta cultura, foi aprovado em todos os concursos que fez. Assim, no início dos Anos 1960, deixou o Exército, indo pertencer aos quadros da NOVACAP – Companhia Urbanizadora da Nova Capital, e, depois, do Itamaraty, como Oficial de Chancelaria. Bacharelando-se em Ciências Contábeis, passou no concurso para Fiscal de Tributos do Estado de Goiás, cargo no qual se aposentou.

 

                        Sebastião pertenceu ao efetivo permanente da Banda da Capital Federal desde sua fundação, em 1972, e, para todos os desfiles ou funções, levava suas três filhas, Edna, Vera e Vilma.

 

                        Foi um grande amigo, e seu falecimento, a 23.8.2001, aos 70 anos de idade, vítima de câncer de pele – era quase albino e viveu muito exposto ao sol –, entristeceu não só a mim, mas a todos aqui em casa, porque pertencia a nosso círculo familiar. Meu abalo foi tamanho que, em seus funerais, no momento em que baixavam seu caixão ao túmulo, não me contive e pronunciei breve despedida, emocionando a todos, não conseguindo também eu conter as lágrimas.

 

                        Sebastião era pessoa com quem eu contava na certa para todos os movimentos musicais que bolava e, por isso mesmo, era acolhido por nós com muito calor humano. E era em nossa casa que ele se sentia bem. No Natal, por exemplo, após a ceia com sua família, era certa sua vinda para cá – morávamos em Quadras vizinhas –, com o trombone ou a escaleta, para continuarmos a festa até o raiar do dia. Assim era nos aniversários e nas demais datas festivas.

 

                        Nunca vi o Sebastião pronunciar uma palavra negativa a alguém! Sempre que começava qualquer frase, era com esta expressão: – Pois é!

 

                        Em certa noite, depois do Natal de 1980, quando eu ainda era solteiro, Sebastião e eu estávamos em minha garçoniere, na 416 Sul, combinando o que faríamos nas festividades vindouras, quando chegou meu sobrinho Pedro Ivo, que vinha se despedir, pois estava saindo de viagem, em seu fusca, para o Maranhão, onde ia se casar, e lamentando o fato de ter que enfrentar a estrada sozinho, sem companhia para conversar ou ajudá-lo durante o percurso. Perguntei ao Sebastião se ele topava acompanhá-lo, e ele aceitou no ato.

 

                        Combinamos, então, que ele iria e ficaria me esperando em Balsas, aonde eu chegaria no dia 30, para tocarmos no Réveillon.

 

                        Imediatamente, Sebastião foi a sua casa, apanhou o trombone e a escaleta, e os dois pegaram a estrada. Mas tão desligado era ele, que seguiu com a roupa do corpo, nem se lembrando de calçar os sapatos, de forma que, no casamento do Pedro Ivo, lá estava ele de chinelos.

 

                        Em Balsas, tocamos no Réveillon do CRB – Clube Recreativo Balsense, e, no dia seguinte, numa farra com amigos na Churrascaria Batatais.

 

                        Sebastião partiu desta vida em 2001, mas meu contato e minha amizade com sua família permanecem inalterados. No mês de julho de 2006, em meu Forrozão/70, dancei com 25 damas, dentre elas a Vera – companheira inseparável do pai aonde quer que ele fosse – e a Alice, filha desta e sua neta.

 

                        Falemos, agora, no grande susto que levei na Copa de 1974, chegando às raias de perder a dignidade. Mas, primeiro, quero esclarecer-lhes um pormenor. Das duas coisas que eu mais tenho medo no mundo, a segunda é cachorro. De tal modo que, quando chego à casa de qualquer pessoa que tem a fera, vou logo cantando este refrão da axé-music: – Segure o cão! Amarre o cão! Segure o cão, cão, cão, cão, cão! A primeira é de alma do outro mundo. Nunca vi qualquer delas, mas tenho tal pavor que me pelo, pois que las hay, las hay!

 

                        Voltemos ao 3 de julho de 1974, dia do jogo do Brasil com a Holanda!

 

                        Era no tempo do calor humano na Câmara dos Deputados, quando havia congraçamento entre os funcionários. No Departamento de Administração, onde eu era lotado, comemoravam-se todos os aniversários. Naquela quarta-feira, levei para minha festa um panelão de vatapá, outro de marizabel, preparados por minha Comadre Maria Júlia, cinco frangos assados, comprados num galeto, e refrigerantes.

 

                        Mal começara o ágape, um dos colegas apareceu com uma garrafinha cheia de líquido que, segundo declarou, os passarinhos de sua casa não quiseram beber. Experimentei-o, era de meu agrado, e foi só o que tomei durante a congratulação.

 

                        A seu término, rumei para minha garçoniere, no Guará I, sentindo-me já um pouco baleado pela água que os passarinhos rejeitaram. Ao chegar, liguei a TV e, sozinho, assisti ao jogo, tomando lapadas de água ardente a cada gol que levávamos. Terminado o jogo, deitei-me, bem mareado, ali mesmo no sofá da sala, e peguei no sono. Sono profundo!

 

                        Mais ou menos às 9 da noite, bateram insistentemente em minha porta. Levantei-me um tanto estremunhado e, ao abri-la, dei de cara com o Sebastião e a Vera, que deveria ter em volta de 10 anos na época.

 

                        Recebi-os, como era de boa educação, mas pê da vida por terem me acordado. E a conversa fluía sem graça, cada qual sem assunto, eu querendo que eles se mandassem dali. De repente, outras pancadas na porta. Fui abrir e quase morro de susto: dei de cara com o Sebastião! Olhei para ele, que ria, olhei para o sofá, e lá estava ele, também rindo! Naquele momento, me arrupiei todo e pensei:

 

                        – É abantesma! É alma!

 

 

                        E fui amarelando, desfalecendo, quase me estatelava no chão, não fosse a rápida ação do Sebastião que me segurou e gritou, para acalmar-me:

 

                        – Aquele ali é o Geraldo, meu irmão gêmeo!

 

                        Durante quase 15 anos em que nos conhecíamos, ele jamais me falara que tinha esse irmão. Geraldo era Sargento na Banda de Música da PM Mineira e outro presepeiro de marca maior. Para se ter ideia, possuía um coreto em frente a sua casa no bairro belo-horizontino onde morava.

 

Os dois irmãos engemados 

                        Passado o susto, resolvemos esticar a noite, festejando o resto de meu aniversário. Saímos do Guará I e rumamos para o Plano Piloto, onde só deparamos com ruas desertas, o que nos fez dirigirmo-nos para o Centro Comercial Gilberto Salomão, point dos boêmios e da juventude naquela época.

 

                        Chegando àquele shopping, ocupamos mesa na calçada dum barzinho quase lotado, fizemos nossos pedidos e, sem solicitar permissão, iniciamos o show, com o Sebastião na escaleta, o Geraldo no violão e eu no cavaquinho, os dois últimos no vocal, auxiliados pela Vera e trovadores eventuais, entoando repertório totalmente voltado para canções seresteiras da Velha Guarda. Foi sucesso retumbante! Dali pra frente, os aplausos e pedidos de bis eram consagradores, sendo o hit mais reprisado – para o público novidade – a valsinha Seresta, de Alvarenga, Ranchinho e Newton Teixeira, composta em 1940.

 

                        Geraldo veio a falecer no ano retrasado, em Belo Horizonte, aos 82 anos de idade. Em homenagem a esses dois amigos e também para relembrar aquela belíssima noite em que, há 40 anos, conseguimos, com nossa música, levar alegria para grande número de brasilienses entristecidos pela derrota na Copa, conto aqui esse episodio, para perenizá-lo na memória de quem o leia.

 


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