NA CASERNA
NA EsSA - ESCOLA DE SARGENTOS DAS ARMAS
Raimundo Floriano
Escola de Sargentos das Armas: vista aérea, com o rio
Verde formando um dos três corações da cidade
1957 foi um ano mágico. O lançamento do primeiro satélite artificial da Terra, a vitória da tenista Maria Ester Bueno em Wimbledon e a convocação de Pelé, ilustre desconhecido tricordiano, para a Seleção Canarinho não me deixam mentir.
Chegando a Três Corações no dia 27 de fevereiro, fui, sem que ninguém me consultasse, aquartelado no Esquadrão de Cavalaria da EsSA, onde cumpriria o período de adaptação. Logo eu, que só cavalgara jumentos no sertão sul-maranhense e detinha apenas pequena militância no manejo com muares, obtida na Companhia de Petrechos Pesados do 25º BC. Cavalos mesmo, velozes, ariscos, possantes e garbosos, como aqueles da Escola, nem nos filmes de caubói os vira.
A cidade tem esse nome porque os meandros do rio Verde, que a circunda, configuram três sinuosidades no formato de corações.
De cara, tive que me familiarizar com palavras mágicas como baia – apartamento dos equinos –; potreiro – espécie de spa para cavalos e muares; estrumeira – depósito da alimentação digerida e expelida pelas alimárias; rasqueadeira, ou rascadeira – pente de ferro para limpar o pelo das cavalgaduras; guaxuma – planta semelhante à malva, com que se faziam as vassouras para a varrição das baias.
No primeiro dia, querendo me enturmar com um aluno que estava de plantão no alojamento, perguntei-lhe o nome, recebendo, de pronto, a resposta:
Sem entender bulhufas, arrisquei:
– De qual Estado você é?
– Ziã Guiú – retrucou o colega.
– Mas de qual cidade? – insisti, fingindo que estava pescando alguma coisa.
– Zã dreí – vociferou o cara, já meio agastado com o interrogatório.
Danou-se, pensei, reconhecendo que teria de assimilar outros idiomas, se quisesse obter sucesso no curso. Mais tarde, constatei que o tal colega se chamava Élgio Benhur Ribas, era natural do Rio Grande do Sul e viera de Dom Pedrito, sua terra natal, na fronteira com o estrangeiro. Até hoje, pouca gente consegue compreender as palavras que ele pronuncia.
Além dos gaúchos e mato-grossenses da fronteira, havia os mineiros, os paulistas, os aratacas – nordestinos – e outros mais. Num grupinho de alunos, a conversa se assemelhava à confusão de línguas que se sucedeu na bíblica Torre de Babel. Para exprimir o mesmo pensamento, tal como uma interjeição, o gaúcho dizia “bah, chê!”; o mineiro falava “uai!”; e o nordestino exclamava “Oxente”. Cada qual na sua.
Para os gaúchos, meia era carpim, chifre era guampa, fila era bicha. Os paulistas diziam farol, em vez de semáforo, guia, em vez de meio-fio, pingado, em vez de café com leite. Costumeiramente, truncavam os esses dos plurais, constituindo-se em cena engraçadíssima a entrada de algum deles num boteco para pedir:
– Me dá dois ovo e um pastéis!
Idiomas à parte, e já poliglota calejado, fui tomando gosto pela Cavalaria, esmerando-me na confecção de vassouras, aperfeiçoando-me no uso da rasqueadeira, na capina da grama que teimava em nascer entre as fendas do calçamento das baias e especializando-me na limpeza destas, em que pese o aspecto de que o cavalo militar é como o tucano, ave que parece sofrer de incontinência intestinal, pois o que entra pela boca sai imediatamente pela retaguarda. Além disso, havia o ensinamento de que o cavalo não podia se deitar durante a noite, tinha que ficar sempre de pé, sob pena de o aluno se ferrar. Cavalo deitado é doença, com certeza.
Se não permaneci no Esquadrão, optando pela transferência para a Infantaria, foi por um pequeno detalhe, que ora, acanhadamente, revelo. Na primeira aula de equitação, ajustei as perneiras, afivelei as esporas, e, enquanto aguardava meu turno de montar, resolvi ficar de cócoras, a posição típica do nordestino preguiçoso. Indescritíveis foram as ferroadas que levei em ambos os glúteos – nádegas –, eis ter-me esquecido de que os até então inusitados utensílios, com suas rosetas afiadas, tanto davam no cavalo como no cavaleiro.
Promovido a 3º sargento, com curso de aperfeiçoamento, fui transferido para o 12º Regimento de Infantaria.
De todos os alunos da Turma de 1957, apenas um alcançou projeção internacional. Chamava-se Hector Hoffmeister. Moreno gaúcho de olhos verdes, pediu desligamento ainda no mês de junho, na intenção de se dedicar à ribalta. No ano seguinte, já estrelava os shows do Carlos Machado, o Rei da Noite do Rio de Janeiro, com performances em que imitava a atriz italiana Sophia Loren. Isso no tempo em que pontificavam no teatro de revista as consagradas vedetes Íris Bruzzi, Anilza Leoni, Eloína, Darlene Glória, Norma Bengell e Rosinda Rosa. A perfeição de seu trabalho correu mundo. Foi capa das revistas O Cruzeiro e Manchete e matéria em vários magazines estrangeiros como Time e Life.
Um verdadeiro Luxo!
A seguir, a Canção da EsSA - Escola de Sargentos das Armas, de Djalma C. Doudement e Venturelli Sobrinho, com Banda de Música daquela Unidade de Ensino Militar:
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