NOVA YORK — Doris Day, a atriz de rosto sardento, cujas personalidade e voz de ouro a transformaram na maior estrela do cinema americano no início dos anos 1960, morreu nesta segunda-feira em sua casa em Carmel Valley, Califórnia.
Mas foram os filmes que fizeram dela uma estrela.
Entre "Romance am alto-mar" (1948) e "Tem um homem na cama de mamãe" (1968), ela atuou em quase 40 filmes. Na tela, foi da menina levada nos anos 1950 à mulher de uma série de comédias sexuais dos anos 60 que lhe renderam quatro posições na lista de popularidade anual dos donos de cinemas, uma conquista igualada apenas por Shirley Temple.
Na década de 1950, ela estrelou, e na maioria das vezes cantou, em comédias (“Um amor de professora”, “O túnel do amor”), musicais (“Ardida como pimenta”, “Paris em abril”, “Um pijama para dois”) e melodramas (“Êxito fugaz”, o thriller de Alfred Hitchcock “O homem que sabia demais”, “Ama-me ou esquece-me”).
James Cagney, seu companheiro de elenco em “Ama-me ou esquece-me”, disse que Day tinha "a capacidade de projetar uma afirmação simples e direta de uma ideia simples e direta, sem confundir". Ele comparava sua performance à de Laurette Taylor em “The glass menagerie”, na Broadway, em 1945, amplamente aclamada como uma das maiores performances de um ator americano.
Comédias picantes
Ela apareceria ainda em “Confidências à meia-noite” (1959), “Volta meu amor” (1961) e “Carícias de luxo” (1962), comédias aceleradas nas quais se defendia dos avanços de Rock Hudson (nos primeiros dois filmes) e Cary Grant (no terceiro). Esses filmes, muitas vezes ridicularizados hoje como exemplos da sexualidade reprimida dos anos 50, foram considerados ousados na época.
"Acho que ela era tão certinha, com dentes perfeitos, sardas e nariz arrebitado, que as pessoas achavam que ela se encaixava no conceito de uma virgem", disse Hudson uma vez sobre Day. “Mas quando filmamos 'Confidências à meia-noite', pensamos que iria arruinar nossas carreiras, porque o roteiro era bem ousado.” O enredo, segundo ele, “não tinha nada além dele tentando seduzir Doris por oito rolos”.
Após "Confidências à meia-noite", que rendeu a Doris Day sua única indicação ao Oscar, ela foi chamada para defender sua virtude pelo resto de sua carreira em filmes semelhantes, mas menores. Hollywood começava a mostrar o sexo de forma mais clara e honesta, para acompanhar a revolução gerada pela criação da pílula anticoncepcional.
Doris Day recusou o papel da sra. Robinson, a mulher de meia-idade que seduz Dustin Hoffman, em "A primeira noite de um homem", de 1967. Segundo ela, a ideia de uma mulher mais velha seduzindo um jovem “ofendia seus valores". O papel foi para Anne Bancroft, que acabou indicada ao Oscar.
Quando se aposentou em 1973, após estrelar por cinco anos o sucesso "The Doris Day Show", na CBS , ela acabou descartada como uma celebridade ultrapassada, líder da brigada da castidade de Hollywood e, nas palavras da crítica de cinema Pauline Kael, "a menina de meia-idade americana". O crítico Dwight Macdonald escreveu sobre "a Síndrome de Doris Day" e a definiu como "saudável como uma tigela de cereais e tão sexy quanto uma".
Mas as décadas se passaram e, especialmente por parte de grupos feministas, a imagem de Doris Day e suas conquistas foram reavaliadas. Ela foi, de fato, uma das poucas atrizes dos anos 50 e 60 a interpretar mulheres que tinham uma profissão de verdade. E suas personagens costumavam ser mais apaixonadas por suas carreiras do que por seus colegas de elenco.
"Minha imagem pública é indubitavelmente a da virgem saudável da América, a vizinha despreocupada e cheia de felicidade", disse ela em "Doris Day: sua própria história", um livro de 1976 baseado em uma série de entrevistas conduzidas por A.E. Hotchner. “Uma imagem, posso garantir, mais fictícia do que qualquer filme que eu já interpretei. Mas eu sou a Srta. Cinto de Castidade, e isso é tudo.”