Plácido Fernandes
No Brasil, trava-se claramente uma guerra jurídica de grandes proporções. De um lado, juízes que parecem determinados a punir bandidos do colarinho-branco, definidos como criminosos que, supostamente, não usam da violência nem põem vidas em risco ao cometer delitos, como afanar dinheiro dos cofres públicos. Do outro, magistrados que, aparentemente, parecem se agarrar a quaisquer resquícios de legalismo, como privilégios e isenções instituídos no ordenamento jurídico, para favorecer esse tipo de fora da lei, geralmente poderoso, endinheirado e defendido por caríssimos escritórios de advocacia.
No país, atualmente, o confronto da vez tem como alvo o ministro da Justiça, Sérgio Moro, que se tornou símbolo da Lava-Jato, a implacável força-tarefa de combate à corrupção, que acabou com a impunidade de bandidos de colarinho-branco no país. A partir da divulgação de mensagens hackeadas de Moro com integrantes da Lava-Jato — em alguns casos com diálogos editados e tirados de contexto —, tenta-se anular os processos e pôr em liberdade condenados, mesmo com provas apreciadas, validadas e sentenças ratificadas em até três instâncias da Justiça brasileira. É como se quisessem mostrar ao então “juizeco” de Curitiba que “não se brinca” com certos bandidos.
Moro ainda será o alvo principal em, pelo menos, mais duas ocasiões. Uma na Câmara dos Deputados. Outra a mais decisiva: quando a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal voltar a julgar habeas corpus no qual a defesa de Lula pede que seja declarada a suspeição do ex-juiz no caso do triplex. Não há, até aqui, nas conversas vazadas, nada que desabone a conduta de Moro a ponto de levar a uma anulação do processo. Ainda mais porque as mensagens hackeadas teriam sido obtidas de forma ilegal e porque o próprio Moro não reconhece a autenticidade. Mesmo assim, há quem sustente que podem, sim, ser usadas a favor do ex-presidente. Como se trata do Brasil, o país da insegurança jurídica, tudo é possível, sim.
No STF, o julgamento do habeas corpus a favor de Lula teve início em dezembro de 2018. Acabou suspenso por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. À época, o relator, Edson Fachin, e a ministra Cármen Lúcia tinham se posicionado contra a suspeição de Moro, e o placar estava dois a zero contra a concessão do HC. Os outros dois integrantes da turma são Ricardo Lewandowski e o decano Celso de Mello. Petistas consideram certos, a favor de Lula, os votos de Gilmar e de Lewandowski e apostam que terão também o de Mello, tido como um ministro “garantista”.
Caso o prognóstico se confirme, o julgamento do petista será anulado, dando início ao desmonte da Lava-Jato, um temor que aflige a sociedade brasileira, cansada da impunidade garantida a ricos e poderosos deste país. Aliás, o Brasil é pródigo em narrativas a favor de bandidos. Como na descrição do “inofensível” crime de colarinho-branco: quem disse que roubar dinheiro de hospitais, de estradas, da segurança pública não mata? E roubar dinheiro da educação, condenando milhares de pessoas ao analfabetismo? E da merenda das crianças?
O maior crime de Moro e da Lava-Jato foi ousar combater bandidos que nos condenam à morte nas estradas, nas filas dos hospitais, na falta de segurança. Foi combater quem nos condena ao atraso ao roubar o dinheiro que poderia garantir educação e futuro a nossas crianças. É por isso que Moro pode ser punido. E, também, a maioria da população que apoia a Lava-Jato, segundo demonstraram pesquisas.