MOMENTOS
Cesar Barreto
Conheci o João Ribeiro (Beiró) no começo dos anos 60, quando sua família veio de São José dos Campos-SP para Fortaleza. Ainda menino iniciou seu caminho nos toques da sanfona, logo se mostrando o notável músico que seria em pouco tempo. De fato, as profundas transformações sociais, culturais e artísticas daquela década explosiva vão encontrá-lo, adolescente, morando no comecinho da velha Estrada do Fio (ainda nem tinha calçamento) da sua querida Messejana. E das teclas da sanfona para as cordas da guitarra foi um quase nada.
Pronto, surge o conjunto Big Brasa, em abril de 1967, no qual ele se revela um dos melhores guitarristas de sua época (senão o melhor), história essa que vi de perto, para minha sorte, induzida pela antiga amizade que unia nossos pais (Alberto Ribeiro e Carlos Barreto) desde o Maranhão onde nasceram.
Mas, como agora está comprovado, o João Ribeiro não se limitou a ser um ótimo guitarrista (e logo também se tornou um virtuoso dos teclados), pois desde cedo arriscou a fazer uma ou outra composição que timidamente não insistia em mostrar, o que é compreensível considerando que a aceitação de um grupo musical de baile dependia muito de um repertório pleno dos sucessos que o rádio e a TV produziam. Gira e gira a incansável roda do tempo e eis que, neste ano de 2020, Beiró decidiu pagar a dívida que tinha, com a Música e consigo mesmo, nos brindando com um álbum de dez canções autorais – quatro delas em parceria –, valendo destacar que ele aparece como intérprete em nove, ficando apenas uma (faixa 4) a cargo de sua filha Cristiane, que aliás se saiu muito bem.
O álbum MOMENTOS resultou numa bem ajustada coletânea de ritmos e expressões musicais variadas (o que não me surpreendeu, pois afinal, essa capacidade é própria do músico que passou pelo duro aprendizado de tocar para dançar), fox, baião, sambas e baladas de melodias e harmonias bem construídas e letras com a estética de um romantismo simples e puro, que agrada aos ouvidos e ao coração.
E não só isso, os temas dessas canções têm, ouso afirmar, a presença marcante da escola da vida, em lições que de alguma forma dão testemunho do seu tempo e das inquietações da sua alma: Fico quase sempre sem querer/pensando no futuro (Vida, faixa 2); Imagem de felicidade/e também de esperança (Criança, faixa 4); Não há vida/não há música sem você (Meu Amor, faixa 5); São acordes frementes/que emergem do espírito (Energia, faixa 6); Hoje continuas a ser/o meu sonho consciente (Lembranças, faixa 7): Manter a chama da esperança/em seu sorriso de criança (Sentimento, faixa 8): Viver tão intenso sentimento/sem ter que pedir perdão (Amor & Amizade, faixa 9); Amar é como nadar contra o mar (Paixão, faixa 10).
E, para não dizer que não falei do trem (confesso que deixei propositadamente para o fim), o baião Trenzinho (faixa 3) me soou como uma doce e doída imagem espacial das conhecidas três dimensões do tempo (passado-presente-futuro) sumindo na curva da vida, levando amores e desembarcando saudades, carregando sonhos que se esvaem na fumaça dos dias (ah, onde é que vai terminar essa viagem?), escanchando o si bemol do apito nas linhas da clave do sol – piuiuiuiupi – e deixando cada vez mais longe da nossa estação o batido dos trilhos, na casa do sem jeito. Seria de minha parte uma falha imperdoável não ressaltar que todos os Momentos deste álbum são filhos da capacidade criativa do João Ribeiro (músicas, interpretação vocal, arranjos, execução dos instrumentos), pois aqui se estabeleceu – por decisão própria – uma relação de filiação plena onde ele é pai e mãe, de corpo, alma e espírito. Se havia uma dívida do João Ribeiro com a Música, ela agora está paga, com juros e correção. Dou Fé.
Jitirana/Aracoiaba, 18 de fevereiro de 2020.
Cesar Barreto
Muito bom. Vou compartilhar com o Cesar Barreto, que você precisaria conhecer. Grande músico, amigo de nossa família, nossos pais foram amigos, ele é advogado e se aposentou como presidente do Tribunal de Contas, enfim, uma capacidade, multitarefa como você.