MODERNIDADE NA CASA NOVA DO TIO TRUTO
Raimundo Floriano
Sentina modernosa
Aconteceu no ano de 1956. A notícia explodiu em Floriano como bomba atômica, de efeito avassalador:
– A casa nova que Seu Truto – meu tio – acabou de construir em Teresina tem uma sentina dentro dela!
Naquele tempo, ainda não existia apartamento no Piauí, e todas as residências tinham no quintal uma casinha ou um cercado de madeira ou de talos de buriti, a dita sentina, na qual os moradores satisfaziam suas necessidades mais urgentes e inadiáveis.
Sob a administração da Tia Loura, mulher do Tio Truto, e com financiamento da Caixa Econômica Federal, que exigiu planta assinada por arquiteto ou engenheiro, a casa fora apetrechada de instalações sanitárias condizentes com o progresso que começava a chegar nas terras piauienses.
Tia Marinaura, irmã de papai e do Tio Truto – solteirona, que não tolerava ser chamada de tia –, alta funcionária dos Correios e Telégrafos em Floriano, esteio dos irmãos, que ajudara quase todos os sobrinhos nos estudos e na formação – inclusive eu –, convocou uma reunião familiar para debater o assunto, motivo de censura para todos os parentes, em particular, e para o povo da cidade, em geral. Ficou deliberado que o Comandante João Bínaco – Tio João Binho –, o caçula, em suas viagens pelo Rio Parnaíba com o Motor João Ferrão, ao dar a passadinha de sempre na casa do Tio Truto, de quem era afilhado, para tomar-lhe a bênção, averiguasse o boato e, na volta, fizesse um relatório circunstanciado, confirmando ou desmentindo tamanho disparate.
Com o retorno do Tio João Binho, Tia Marinaura convocou nova reunião, sob sua presidência, para ouvir a explanação do Comandante, da qual participaram os seguintes membros: Tia Juliana, Tia Olivinha, Tia Onedina e Pedro Barbalho, seu filho, além do Relator. Este iniciou sua exposição narrando o que testemunhara in loco, ou seja, confirmando tudo e causando verdadeiro espanto em todos os presentes, que externaram suas dúvidas: como ficaria a convivência com o odor natural de qualquer sentina?; qual seria a reação dos demais moradores se um incontido flato de maior sonoridade escapulisse daquela dependência?; como seria feita a limpeza após o uso, vez que nos quintais florianenses a faxina ficava a cargo das galinhas e dos porcos, para isso criados à solta?; usava-se o costumeiro sabugo para a limpeza corporal?
O Relator nada esclareceu, alegando que apenas averiguara o fato, mas não tivera a coragem de aliviar-se “naquilo”. Um dos presentes indagou se tal dependência também seria usada para as pessoas se banharem. A resposta positiva do Relator só fez mesmo foi aumentar o escândalo e a perplexidade que afligiam todo o clã.
Diante da cruel realidade, Tia Marinaura, não contendo sua irreprimível indignação, deu por finda a assembleia, dissolvendo-a com esta exclamação:
– Isso só pode ser invenção da Loura, pois o Truto não seria capar de fazer tamanha besteira!
(Episódio narrado por um dos filhos do Relator, o primo Mairton, que, escondido atrás duma porta, a tudo testemunhou.)