MME. LONDON BANK
Humberto de Campos
Contam as crônicas do Império Romano que Mitridates, o famoso rei do Ponto, que enfrentou as hostes de Sila, de Pompeu e de Lúculo, apanhou, um dia, de surpresa, um general inimigo, e, para matar-lhe a fome de riquezas, fez-lhe derramar pela garganta uma panela de ouro derretido. Incompletos nas suas informações, os historiadores antigos não dizem, de modo claro, como ficou a boca da vítima; a impressão que eu tenho, em seguida a essas leituras, é, porém, que o general se tornou, com isso, o grande antepassado de certas senhoras e cavalheiros do nosso tempo, e que eu encontro diariamente na cidade, os quais transformaram a boca em Caixa de Conversão, depositando alí, em obturações dispendiosíssimas, grande parte da sua fortuna.
Felizmente, há, entre as senhoras, espíritos esclarecidos, que movem, contra esse abuso, uma campanha infatigável. Ainda ontem, uma destas beneméritas, D. Clara de Souza Castelo, que me fora apresentada pelo Sr. Dr. Afrânio Peixoto, me informava, preocupadíssima:
- Esta moda das dentaduras de ouro está se desenvolvendo, Sr. conselheiro, como o senhor não imagina.
E após uma dúzia de nomes próprios, aludindo a pessoas notabilizadas por esse mão gosto, assinalou, penalizada, uma ilustre dama atualmente em Petrópolis, cuja boca é considerada, ali, pela quantidade de ouro que encerra, uma verdadeira sucursal dos cofres do London Bank.
- E não é só a falta de gosto, senhor conselheiro - acentuava a minha curiosa conhecida da véspera. - O pior de tudo, é o perigo a que está exposta uma criatura nessas condições. O senhor não conhece o caso de D. Laurentina, mulher do Dr. Filomeno Miranda?
A minha resposta foi, como era natural, negativa, e ela contou:
- D. Laurentina tem, como o senhor sabe, uma grande fortuna, herdada do pai. Aos vinte e cinco anos, os seus dentes começaram a estragar-se, e ela, que possuía dinheiro, mandou obturá-los a ouro. E de tal maneira procedeu, que, hoje, possui a boca inteiramente dourada! Quando ela fala, e os lábios se lhe descerram, é um deslumbramento, um luxo de ouro, que se tem a impressão de que se abriu, de repente, a porta grande da igreja da Candelária!
Eu tossi, estranhando a imagem, e Dona Clara continuou:
- O pior, porém, era o que lhe ia sucedendo. Imagine o senhor que, uma destas noites, ao regressar de uma visita, o Dr. Filomeno percebeu que havia ladrão na casa. Corajoso, hábil, experiente, empunhou ele o revolver, chamou os criados, e começou a percorrer o palacete. No quarto de dormir, o jardineiro abaixou-se, e olhou para debaixo da cama. E deu um grito, de horror e de alarma. O ladrão estava lá, debaixo do leito, escondido!
Por essa altura, D. Clara tomou fôlego, e reatou:
- Arrancado, à força, do esconderijo, pelo pulso dos criados, o miserável não negou o crime premeditado. Estava ali para roubar a fortuna da dona da casa!
- E estava armado? - indaguei, aflito.
- Estava, Sr. conselheiro, estava! - acudiu a minha informante.
E, olhando para um lado e outro, soprou-me, perversa, ao ouvido:
- Levava... um boticão!...
E soltou uma gargalhada sonora, demorada, reboante, dessas que somente sabem dar, na terra, as mulheres de dentes bonitos.