Gonçalves Dias
I
Tão bela és, tão mimosa,
Qual viçosa
Fresca rosa,
Que em serena madrugada
Despontada,
Rorejada
Foi pelo orvalho do céu;
E a aurora que tudo esmalta,
Brilha reflexos de prata
No orvalho que ali prendeu.
II
Quando um penar aflitivo,
Sem motivo,
D’improviso
Tua alma ocupa e entristece,
Que padece,
Que esmorece
Com aquele imaginar;
Aumenta a tua beleza
Lânguido véu de tristeza,
Palor de quem sabe amar.
III
Assim murcha a sensitiva,
Sempre viva,
Sempre esquiva;
Assim perde o colorido
Por um toque irrefletido
Mal sentido:
Assim vai o nenúfar,
Como que sofre e tem mágoas,
Esconder-se em fundas águas,
Te que o sol torne a brilhar.
IV
Mas também a flor brincada,
Perfumada,
Debruçada
Sobre a tranqüila corrente,
Logo sente
Vir a enchente
Longe, longe a rouquejar,
Que a pobrezinha desfolha,
Sem lhe deixar uma folha,
Sem deixa-la em seu lugar.
V
Não consintas pois que as mágoas,
Como as águas,
Que das fragas
Furiosas vêm tombando,
Vão tomando,
Vão levando
A flor do teu coração!
Há na vida u’amor somente,
Um só amor inocente,
Uma só firme paixão.
VI
Sê antes flor, bem-fadada,
Suspirada,
Bafejada
Pela brisa que a namora,
Pela frescura da aurora,
Que a colora:
À luz do sol se recreia.
E de noite se retrata
Da fonte na lisa prata,
Quando o céu de luz se arreia.