MEUS SETENTA ANOS
Raimundo Floriano
Oh! Que saudades que eu tenho, da festa que eu vou fazer!
É isso mesmo! O bom da festa é esperar por ela! Depois que começa, já está acabando. Assim, devemos aproveitar o máximo no seu decorrer, para guardarmos as melhores recordações e fazermos outras no futuro, com a ajuda de Deus!
E nessa gostosa reminiscência de hoje, aproveito para contar-lhes como transcorreram os meus 70 anos.
Uma festa com a minha cara! O aniversário, 3 de julho, cairia na segunda-feira, por isso, a comemoração fora antecipada para o domingo, dia 2.
Aconteceu no Centro de Tradições Gaúchas Estância do Planalto, cujo espaço coberto, provido de palco, comporta 400 pessoas sentadas. Mandei colocar um toldo no pátio para receber mais 100.
Na véspera, depois do jogo Brasil 0 x 1 França, fiquei temeroso de que a maioria dos meus 705 convidados não comparecesse, entristecida pela derrota. Mas que nada! Do pessoal confirmado, ninguém faltou! Arredondando, entre parentes e amigos, 500 pessoas!
Veio gente dos quatro cantos do Brasil. Em todos, eu constatei um sentimento com relação ao fiasco de nossa Seleção: indiferença!
O Cerimonial do meu Forrozão/70 ao contatar os convidados para confirmação da presença, informava que o presente seria 1 kg de alimento não perecível. Arrecadamos mais de meia tonelada, tudo doado às obras assistenciais de minha Paróquia. Foi uma forma de agradecer a Deus por tudo o que me deu nesses 70 anos, muito mais, até, do que eu mereci.
Para alguém que, há um ano e meio, não caminhava, foi um milagre eu estar ali, dançando forró com minhas fisioterapeutas, hidroterapeutas, professoras de malhação, enfermeiras, um elenco de abnegadas que me ajudou, me incentivou, me aturou, me jogou para este alto onde agora me encontro. A vitória era também delas!
Contratei o Forró Lunar, melhor conjunto brasiliense de forró pé-de-serra. A comida e a bebida ficaram a cargo da equipe de churrasqueiros do CTG. Boca-livre, claro!
Às 12h30, como previsto, começou a função! Enquanto o forró pesado e a dança rolavam no salão, eu recebia os convidados na entrada principal.
Nos homens, um forte abraço. Nas damas, um carinhoso beijo estalado no rosto. Essa recepção durou até às 13h30.
Nesse momento, a música parou, subi ao palco e dei início à comemoração. Agradeci a Deus por ter-me concedido a bênção daquele momento, com tantos familiares e amigos, e pelo lar que me ajudou a construir. Em seguida, conclamei os balsenses a cantarem a música Balsas Querida, tida como hino oficial de minha cidade natal. Foi um estouro!
Forró Lunar: Heitor, flauta - Lico, sanfona - Thiago, violão e voz - Giovanni, zabumba
Merê, baixo - Adler, triângulo
Ato contínuo, chamei ao palco seu autor, o conterrâneo Augusto Braúna, médico e forrozeiro em Serrinha, interior baiano, que viera prestar sua homenagem à nossa amizade. Músico que é, executou alguns números com sua gaita de boca. Esse gesto de nobreza do Augusto, vindo lá da Bahia com Célia, sua mulher, e Iraciara sua filha, muito me emocionou. Correspondi à gentileza em dezembro de 2007, indo com Veroni, minha mulher, a Serrinha, para a festa dos seus 60 anos, evento que ficará para sempre marcado na história daquela cidade.
Mas voltemos à narrativa que interrompi!
Logo após o show do Augusto, meu saudoso amigo Sebastião Côrtes, colega aposentado da Câmara dos Deputados, decano da festa que, no passado, redigia discursos para o Presidente JK, pronunciou breve e linda peça oratória, na qual exaltou minhas qualidades, lá do modo como ele me via.
Raimundo Floriano e Veroni: declaração de amor
Continuando, Veroni fez-me terna declaração de amor, na voz do violonista-cantor Expedito Dantas, com a canção Por Causa de Você, de Michael Sullivan e Paul Massadas, sucesso do KLB:
Só você não vê
Finge que não sabe
Que estou sofrendo
Por causa de você
Sonho que não vem
Luzes da cidade
Eu me sinto só
Por causa de você
Eu te quero tanto
Tanto que nem sei dizer
E a felicidade pra mim
É nunca perder você
Peço pra uma estrela
Pra te convencer, enfim
Que não sou ninguém sem você
E não há você sem mim
Retribuí, pedindo ao meu irmão mais velho, o seresteiro Pedro Silva, que me acompanhasse no violão e me ajudasse com o vocal a interpretar a canção Só Você, do romântico José Augusto:
Difícil entender
O mundo sem você
Não dá nem pra tentar
A gente se encontrou
Se amou e se gostou
Não dá pra separar
No jeito de pensar
Nos gestos mais banais
Nós somos quase iguais
No sonho mais comum
Nós dois viramos um
Somos uma vida só
Eu acho que esse amor
Já fez de nós sol e verão
A rima mais perfeita da canção
A vida é mais bonita
Com você perto de mim
E o coração pequeno
Prum amor tão grande assim
Eu quero só você
Nos momentos de ternura
Quero só você
Nos desejos, nas loucuras
Quero só você
Não arranque do meu peito
Esse amor que é todo seu
Não posso te perder
Que sentido tem o mundo
Inteiro sem você
Eu não quero me enganar
Vivendo por viver
Eu preciso tanto ter você
Pra sempre em minha vida
Pedro Silva e Raimundo Floriano: em retribuição
Em prosseguimento, danei-me a cantar forrós do repertório de Jackson do Pandeiro, com acompanhamento e refrão do Forró Lunar.
Depois disso, meu irmão José Albuquerque, o Carioquinha, poeta e cantor, e Expedito, com seu violão, deram um show de interpretação e talento.
A essas alturas, transcorria o almoço, durante o qual, após a apresentação dos cantores, o forró e a dança rolavam pesado.
Veroni me deixou à vontade. Foi cuidar da administração, do desencadeamento da programação, para que nada desse errado. Incansável, dedicada e eficiente. Enquanto isso, eu, no salão, me entregava totalmente ao meu papel na festa, que era dançar forró.
Havia uma fila de damas esperando a sua vez, 25 no total! Eu tirava uma, e bailávamos até chegar perto do fotógrafo. Feita a pose, largava-a ali e voltava para mais outra.
Além das profissionais das áreas de fisio e hidroterapia, de malhação e de reabilitação cardíaca, foram parceiras na dança minhas sobrinhas, minhas amigas, as filhas e as esposas dos meus amigos, todas querendo me demonstrar seu carinho e também sair bonitas nas fotos que eternizariam lances tão inesquecíveis para mim.
A festa teve três momentos marcantes, que me levaram às lágrimas, muitas. Mas com uma emoção boa, não daquele tipo que dá trancos no coração do sujeito.
O primeiro, quando meu irmão Pedro Silva me trouxe, emoldurada, uma carta que lhe fiz, a 17 de julho de 1946, aos dez anos, onde, nas maltraçadas linhas, dava notícia de certos acontecimentos balsenses e declarava que aquela era a primeira carta que fazia em minha vida. Logo após os rabiscos, a capa do meu livro Do Jumento ao Parlamento e a reprodução do meu célebre Cartão de Visitas, demonstrando que eu melhorara um bocadão sessenta anos depois.
O segundo ficou a cargo de minhas filhas Elba e Mara, que me fizeram grande surpresa, apresentando em telão um vídeo com fatos de toda a minha vida, desde fotos da infância, até filmagens que guardo em meus arquivos. Tudo isso elas prepararam às escondidas, sem que eu desconfiasse de nada.
O terceiro foi protagonizado por todos os meus sobrinhos, sobrinhas e demais pessoas jovens da família Albuquerque e Silva. Entraram no salão tendo à frente um deles caracterizado como palhaço, com pernas de pau, e todos os demais a segui-lo, com roupas e narizes de palhaço, anunciando o espetáculo do circo. Essa encenação eu sempre fazia com minhas filhas ainda crianças, eu representando o palhaço e elas, a molecada. Era, também, uma referência aos meus tempos de ajudante de palhaço no Circo Cometa do Norte, lá no Piauí. No telão, por sinal, passou essa cena, gravada quando a Elba tinha 7, e a Mara, 5 anos de idade.
Às 8 da noite, após a saída dos últimos convidados, revi tudo o que se passara naquela tarde e só pude tirar uma única conclusão:
Aos setenta anos, eu era um homem muito feliz!