MEU CONCURSO PARA A CASA DO POVO
Raimundo Floriano
Éramos seis!
Moacyr de Arruda Menezes, paraibano, Dineu Mazzalli Seixas, paulista, Nélson Santa Cruz Quirino, pernambucano, Vili Santo Andersen, gaúcho, um, cujo nome não me vem, e este seu colega, maranhense, todos sargentos do Exército Brasileiro e moradores no Cruzeiro Velho. Dentre os inúmeros companheiros de farda inscritos no concurso para Auxiliar Legislativo da Câmara dos Deputados, formávamos um grupinho à parte, mais pela proximidade de nossas residências do que pelo conhecimento anterior, pois até servíamos em diferentes unidades militares.
Aliás, nosso Exército sempre foi um grande fornecedor dessa mão-de-obra altamente qualificada para a Câmara dos Deputados. Perdia ótimos sargentos que, vindos de todas as Regiões do País, e submetidos a árduo crivo intelectual, iriam enriquecer o quadro funcional daquela Casa do Povo. Compunham esse seleto elenco, entre outros: João Rodrigues Amorim, do Pará; Paulo Augusto Soares Bandeira e Simeão dos Reis Ribeiro, do Maranhão; Altino Ferreira da Cruz e Zorando Moreira de Oliveira, do Piauí; José Altomar Faria Lima e Sindulfo Chaves Filho, do Ceará; Antônio Gomes da Silva e Roberto Medeiros Guimarães, da Paraíba; Luiz Berto Filho e Orlando Costa, de Pernambuco; Edson Borges de Carvalho e Leonílson Xavier de Oliveira, da Bahia; Afonso Waltencir Fabre, Antônio de Pádua Ribeiro, Aristheu Gonçalves de Melo, Geraldo da Silva, Henrique Eduardo Ferreira Hargreaves, Jolimar Corrêa Pinto, José Botelho Filho, Paolo Orlando Piacesi e Sylvio Rômulo Guimarães de Andrade, de Minas Gerais; Américo Dias Ladeira e Ivan Roque Alves, do Rio de Janeiro; João Resina Reina, de São Paulo; José Capistrano Pereira, de Mato Grosso; Constante Caetano Turchiello, do Rio Grande do Sul.
A doutora Atyr Emília de Azevedo Lucci – conforme já salientei no episódio Os Fesceninos –, titular da Diretoria do Patrimônio, batalhava para conseguir o máximo de ex-sargentos lotados naquele órgão. Num certo período, o Patrimônio ficou também conhecido como BGP – Batalhão da Guarda Presidencial.
Corria o mês de abril de 1964, e o advento da Revolução de 31 de Março quase não deixava chances de nos encontrarmos para estudo ou troca de ideias, com a tropa aquartelada, em rigorosa prontidão. Este seu colega, por exemplo, servindo na Polícia do Exército, só conseguiu tempo para inscrever-se no dia final do prazo, e mesmo assim envergando uniforme de campanha e capacete de aço.
A única oportunidade que tínhamos de reunião era no dia das provas. Vínhamos no carro do Vili, um Chevrolet 49. Chamar o carrão do Vili de automóvel era, no mínimo, uma imprecisão. Aquilo era uma belonave, que ocupava nos estacionamentos as vagas de uns dois fuscas. Tão imenso era, que acomodava os seis sem qualquer esforço, no maior conforto.
Enfrentamos a primeira prova, a de Português. Passamos todos. Criou-se entre nós o mito de que aquele carango verde nos trouxera sorte e de que nele nos devíamos transportar até o final do certame, vez que sorte era mesmo o de que mais precisávamos: 16.000 candidatos para 21 vagas – naquele tempo, ainda sob o manto da Constituição de 1946, só se entrava na Câmara mediante prestação de severíssimo concurso público, de âmbito nacional, aplicado pela inflexível Dona Nayde Figueiredo.
E assim procedemos nos testes que se sucederam: Direito Administrativo, Técnica Legislativa, Língua Estrangeira e Datilografia.
Decorrido, hoje, quase um quarto de século, relembro com saudade aqueles tempos de batalha, e, com alegria, aqueles velhos camaradas.
O Moacyr, o mais jovem de nós seis, veio a ser o melhor datilógrafo do Congresso Nacional. E mais. Num domingo, ao tentar, no Lago Paranoá, salvar o amigo Teobaldo – com ele lotado no Departamento de Pessoal e como ele não sabendo nadar –, afundou junto, consagrando-se nesse episódio como o primeiro herói dentre os funcionários da Casa. O Dineu, Assessor de Orçamento, aposentou-se e goza de merecido ócio nas praias nordestinas. O Quirino é Assessor Técnico na Liderança do PDS. O Vili é Diretor do Departamento de Finanças. Este seu colega continua aqui, lutando, labutando, vendo, tratando e pelejando, como dizia Camões.
E aquele um, cujo nome não me vem à memória? Bem, aquele um, por moto próprio, relegou-se ao esquecimento. Para a última prova, desprezou o carrão da sorte e veio de táxi.
Queria mesmo era tomar vitamina ferro!
Chevrolet da sorte: Cinira, jovem esposa do Vili, embeleza a foto