Eu morei no tabuleiro
Bem no aceiro da mata!
Possuí um vira-lata
Mestiço com perdigueiro
O seu pelo era trigueiro
Belo, macio e brilhante,
Era um cachorro elegante,
Daqueles que tudo come
Na escolha do seu nome
Optei por “vigilante”.
Cresceu sem ter regalia
Porém nunca fez protesto,
Seu alimento era o resto
Do que a gente consumia,
Só tinha nessa iguaria
Feijão, cuscuz ou coalhada,
Nunca viu ração comprada
Daquelas dos cães da praça,
Carne, só de alguma caça,
Por ele mesmo caçada.
Mesmo assim era nutrido
Forte, bravo e corajoso,
Sem se mostrar preguiçoso
Nem tão pouco esmorecido,
Pois sempre foi destemido
Audacioso e ousado,
Dava conta do recado
De maneira triunfante
Na luta intensa e constante
Quando campeava o gado.
Cercava a vaca malhada,
A vermelha ele atalhava,
Se a branca ali não estava,
Ia caçar a danada!
A preta desconfiada
Saía do lamaçal,
Pensando que era o “tal”
O touro até se atrevia
A enfrentá-lo, desistia,
Ia parar no curral.
Meu cachorro caçador!
De nada sentia medo
Acordava muito cedo
Pois não era dormidor,
Era muito corredor
Em mata, ou campo pelado,
Era desembaraçado
Quando pra caçar saia
Pegava peba e cutia,
Preá, coelho e veado.
Logo de longe espreitava
A raposa quando vinha,
Perseguir uma galinha,
Que pelo mato pastava.
Com a carreira que dava
Ligeiro ela era alcançada,
E sem poder fazer nada
Morria quase de graça,
Ao invés de pegar a caça
Ela é quem era caçada.
Em casa era atento a tudo
Uma forte sentinela,
Se alguém abrisse a cancela,
Soltava um latido agudo,
Era o mais fiel escudo
Sem cobrar nada por isso,
Cumprindo seu compromisso
Sempre foi uma atalaia,
Que nunca fugiu da raia
E nem brincou em serviço.
Sem nunca temer sol quente,
Mormaço nem chuva fria,
Fosse de noite ou de dia
Estava sempre contente,
Era um cão obediente
Sem atalho e sem desvio,
Zelou sempre por seu brio,
Sem jamais perder a classe
E se eu dele precisasse,
Bastava dá um assobio.
Nunca lhe faltou coragem
Pra trabalhar ou caçar,
Ia pra qualquer lugar,
Não importava a paragem,
E em qualquer abordagem
Agia com precisão,
Sabia qual decisão
Deveria ser tomada
Sem agir de forma errada
Em qualquer ocasião.
Vigilante era um cão forte
Defendendo o dono seu
E jamais se esqueceu
De dar-lhe apoio e suporte,
Caçar era o seu esporte,
Cuidar da lida também,
Nunca deixou ao desdém
Ao relento, ao abandono,
Sua dona nem seu dono
A quem tanto ele quis bem.
E, se alguém me insultasse,
Com ousadia atrevida?
O cãozinho dava a vida,
Por mim, se necessitasse!
Nem calculava o impasse
Que essa atitude causava,
Agindo de forma brava
Era quase uma loucura
Porém naquela aventura
Morria, mas me salvava.
Não me deixava por nada!
No lazer nem no perigo
Ia pra festa comigo,
Pra casa da namorada,
Deitava lá na calçada
Esperando paciente,
Ficava muito contente
Ao ver que eu já ia embora
Podia ser qualquer hora
Ele estava ali presente.
Quem tem um cão como àquele
Cordial, leal, amigo,
Não teme qualquer perigo
Estando por perto dele,
Pois pode confiar nele
Em qualquer situação
Seja vantajosa ou não
Ele vai lhe proteger
E lhe ajudar resolver
Qualquer que seja a questão.
Tudo tem seu tempo certo
Conforme manda o destino,
O meu cãozinho ladino
Valente, capaz, esperto,
Também não estava liberto
Dos males que o tempo traz
A doença contumaz
Chegou sorrateiramente
Mostrando que brevemente
Daria seu golpe audaz.
Lentamente definhando
Vi meu cachorrinho lindo,
O mal só lhe consumindo
E a vida desmoronando,
Ele tristonho me olhando
Como quem quis me dizer,
Foi imenso o meu prazer
Por ter eu vivenciado
A lhe servir do seu lado
Valeu a pena viver.
Numa manhã parda e fria
Que só retrata a tristeza,
Aquela vida indefesa
Lentamente se esvaia,
O corpo se contraía
Perdendo a mobilidade
A morte sem piedade
Esse caipora inimigo
Levou meu cãozinho amigo
Deixou somente a saudade.