Mel Lisboa se refere a si mesma ao falar de uma menina arremessada, há duas décadas, por uma “avalanche”. Em agosto de 2001, ao estrear seu primeiro trabalho na televisão — como a protagonista da minissérie “Presença de Anita”, do novelista Manoel Carlos —, a então jovem atriz desconhecida foi rapidamente alçada ao posto de fenômeno diante do sucesso da trama de mistério com uma carga de erotismo.
— Na época, eu achava que entendia tudo. Mas depois percebi que não. Estava no olho do furacão, e minha vida mudou do dia para a noite. Precisei de um tempo e de um distanciamento para começar a compreender certas coisas — conta ela, com 39 anos e mãe de Bernardo, de 12, e Clarice, de 8, frutos do casamento com o músico Felipe Roseno.
A gaúcha, que vive em São Paulo, se vê atualmente num “momento completamente diferente”. E avisa que não gosta de pensar se traçaria novamente os mesmos caminhos do passado, embora não negue que tenha tentado se descolar, durante alguns anos, da imagem sexualizada eternizada pela jovem fogosa que encarnou na TV — e que inspirou, inclusive, o nome artístico da funkeira Anitta.
— Pois é, tem isso. Já falei com a Anitta rapidamente por telefone, mas até hoje, infelizmente, não tive oportunidade de encontrá-la pessoalmente — revela. — Acho bonito olhar para o “Presença de Anita” 20 anos depois (a produção foi relançada no Globoplay). É uma série feita para aquele tempo, e naquela época quebrou paradigmas. Se fizéssemos um remake hoje, seria bem diferente. Logo depois, rolou um movimento natural em que neguei a minha sensualidade. Reneguei aquilo, num desejo de construir uma carreira que me levasse para outros lugares. Mas sei que tudo o que sou é fruto de escolhas. E de erros, acertos, traumas, felicidades... Meus maiores desastres de trabalho também fazem parte da minha história.
Afastada da TV Globo desde 2008, a artista está há seis anos sem fazer novelas — a última participação foi em “Os dez mandamentos”, folhetim bíblico da Record (“Não tenho que concordar com os personagens que interpreto, então lido com o trabalho de forma profissional”, frisa ela, que se considera ateia).
— Estou empolgada, pois minha personagem será uma vilã, e a trama é divertida — adianta ela, que fará par com Ícaro Silva e contracenará com Taís Araújo.
Peça, série, filme...
Enquanto a novela não vem, ela se dedica a novos formatos na internet. Consumidora voraz de podcasts, a atriz estreou, na última semana, uma áudiosérie produzida pelo Spotify. Em “Paciente 63”, ela é uma psiquiatra às voltas com um homem (papel de Seu Jorge) que se considera um viajante no tempo e que afirma voltar do futuro para tentar evitar um desastre mundial.
— É uma história que dialoga muito com os dias de hoje. Dá até nervoso (risos) — afirma, exaltando o novo boom de narrativas em áudio. — Esse é um conteúdo que se assemelha à literatura, pois obriga o ouvinte a imaginar a cena. E, para nós, é um trabalho extremamente técnico. Não há outra palavra. Gravei tudo numa sala sem nada, à frente de um microfone, com um tablet na mão. E assim tive que fazer a história acontecer.
Aos que fazem questão de vê-la em carne osso, é possível assisti-la, até amanhã, em “Madame Blavatsky”, peça que ganha sessões previamente gravadas dentro da programação da 1ª Mostra de Teatro On-line da Associação de Produtores de Teatro Independentes (APTI) — os ingressos, a R$ 10, têm bilheteria revertida para profissionais do setor.
Releitura do texto de Plínio Marcos com dramaturgia assinada por Claudia Barral, o solo lança luz para a trajetória de Helena Blavatsky, escritora russa que consolidou a ideia de teosofia em fins do século XIX.
— É muito importante que as pessoas conheçam a história dessa mulher, que levou muito conhecimento para o Ocidente e que, por mais de cem anos, foi renegada — observa Mel sobre a escritora esotérica que teve sua obra originalmente traduzida para o português pelo poeta Fernando Pessoa.
E há mais novidades à vista. Neste mês, ela terminou de rodar, na cidade de Gramado (RS), o longa-metragem "Atena", em que interpreta uma justiceira que se vinga de estupradores e pedófilos. A produção que também tem os atores Thiago Fragoso e Gilberto Gawronski tem previsão de estreia para 2022.
Faculdade aos 39
Mel Lisboa brinca que, a partir da próxima segunda-feira, voltará a fazer “malabarismo” com a vida. É que ela retomará a graduação em Letras, na PUC-SP, iniciada em 2018 — a atriz não concluiu sua primeira graduação, em Cinema, devido ao trabalho em “Presença de Anita” e nas novelas subsequentes à minissérie.
— Lá vou eu de volta para o meu malabarismo, trabalhando, estudando e cuidando de casa ao mesmo tempo — ela ri. — Estou fazendo a faculdade aos poucos, sem muita pressa, mas com gana de me formar. Tenho essa ambição. Por enquanto, estou equilibrando pratos, mas vai dar certo.