Quem tem mais de 30 anos, recorda-se do costume antigo de preservar flores presenteadas pelos amados, ora dentro de livros, ora cuidadosamente envolvidas em papel manteiga. O objetivo era manter viva, por meio da planta, a memória de bons momentos. Já para a ciência, conservar a flora significa perpetuar conhecimento, inclusive, sobre vegetações que foram extintas e sobre aquelas que surgiram recentemente. Esse é o papel do Herbário do Jardim Botânico de Brasília (JBB), lar de quase 40 mil espécies de plantas e vegetações nativas do Cerrado.
“As pessoas chegam aqui esperando encontrar um jardim, com terra e vasos de plantas”, contou, aos risos, Priscila Oliveira Rosa, 43, gerente de Vegetação e Flora do JBB. Mas, ao abrir umas das pastas sobre a mesa, a especialista mostrou que as estantes guardam preciosidades. Tratava-se de uma espécie coletada em 1984, em Barreira da Cruz, Tocantins, cujo material genético está disponível para estudos em um banco de dados, que permite o intercâmbio entre instituições e pesquisadores.
Priscila, doutora em botânica pela Universidade de Brasília (UnB), é responsável por fazer a coleta, a identificação e a avaliação do risco de extinção das espécies. Após a retirada no campo, o material passa pelo processo de herborização, no qual é prensado e secado adequadamente. Depois ele é montado e costurado na cartolina específica com a etiqueta contendo as informações sobre as características da espécie. Por fim, o material deve passar pelo freezer para garantir que nenhum patógeno irá contaminar a coleção.
O Herbário é aberto à visitação pública, desde que haja o agendamento pelo site, devido à necessidade do ambiente ser controlado, não podendo receber muitas pessoas ao mesmo tempo. No caso de atendimentos escolares, as exposições são mais rápidas e, geralmente, entram no máximo 20 pessoas por vez.
“É importante para os estudantes entenderem que o Jardim Botânico não é só área de visitação, mas também um local responsável por bastante pesquisa. São frequentes as solicitações de empréstimo de material, que facilitam trabalhos de pesquisadores que não têm condições financeiras de se deslocar até o DF”, destacou Priscila.
História
No Herbário do JBB, as coletas mais antigas datam de 1954 e foram realizadas pelo ambientalista pioneiro Ezechias Paulo Heringer, que antes mesmo da construção de Brasília já coletava materiais no Cerrado. Segundo a gerente de Vegetação e Flora do JBB, ele foi uma figura tão importante para a região que a nova sede do Herbário, inaugurada recentemente, leva o seu nome em homenagem.
“Por meio dessas coletas mais antigas, é possível contar um pouco da história daquele lugar, obtendo informações temporais. Por exemplo, se determinada planta ocorria em certo ambiente e hoje não é mais encontrada, devemos pesquisar para entender se ela se modificou ou se entrou em extinção localmente”, explicou Priscila Rosa. Nessa última semana, a especialista teve a sorte de coletar uma planta que era conhecida por ter sido coletada apenas uma vez, por Heringer, em 1964.
Quando questionada sobre a parte da profissão que mais gostava de desempenhar, Priscila, que trabalha com flora há 20 anos, disse: “A parte da coleta é interessante, porque encontrar as plantas é muito gratificante, mas fazer só isso seria muito cansativo. Então, o equilíbrio entre o trabalho de campo e o trabalho de identificação é o que nos mantém motivados a sempre querer conhecer uma nova área de Cerrado”.
Reprodução in vitro
O laboratório de reprodução in vitro do JBB reproduz, a cada pesquisa, mais de mil plantas do Cerrado em risco de extinção. O espaço é o único desse tipo no Governo do Distrito Federal, e a estação ecológica contribui para a preservação. Recentemente, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) avaliou 7.385 espécies do Cerrado, das quais 1.199 foram consideradas em risco — 16,2% do total.
Daniel Oliveira da Mata, 29, gerente do laboratório de reprodução in vitro do JBB, explicou que um dos fatores que mais contribuem para a extinção de espécies é a retirada sem autorização das plantas do seu ambiente natural. “Hoje produzimos espécies de orquídeas que estão ameaçadas de extinção, como as cattleya walkeriana, além de cactos, bromélias e plantas arbóreas, com foco na geração de um banco de plantas para preservação do Cerrado”, completou.
Após serem coletadas em campo, as sementes são desinfetadas e germinadas in vitro. Assim que atingem um tamanho ideal, são retiradas dos frascos e levadas para a aclimatação no ambiente externo, sendo plantadas em sementeiras. O especialista, que é doutor em biologia molecular, garante que essas plantas vão se desenvolver e ficarão iguais àquelas geradas em ambiente natural.
“Quando elas são retiradas do frasco, tentamos seguir os mesmos parâmetros do seu habitat natural, a fim de maximizar o seu desenvolvimento”, comentou Daniel. O profissional ainda acrescentou que, além das mudas que serão recolocadas na natureza, há aquelas que serão mantidas em frascos para serem utilizadas quando já não forem mais encontradas em uma região específica.