Antigamente, no interior nordestino, não havia “fobia” . Essa palavra era totalmente desconhecida. Existia mesmo era medo, sinônimo de pantim, cavilação, drama, astúcia e manha. Esses medos de injeção, dentista, barata, rato, cachorro, aranha, morcego, escuro, trovão etc., eram combatidos com exemplos, explicações, “carões”, e, no último caso, com castigos. A criança chorava e esperneava, mas os pantins, gradativamente, desapareciam. Eram medos facilmente tratáveis, em casa mesmo.
O medo maior que havia, entretanto, era o medo de dentista ou de tratamento dentário. Esse medo era acompanhado de crises de ansiedade.
Está provado que a metade da população mundial sofre desse tipo de medo.
Décadas atrás, numa conhecida cidade nordestina, a ida ao dentista apavorava crianças e alguns adultos, independentemente de classe social.
Nessa cidade, havia um médico da capital, que trabalhava numa fundação de saúde e que, por incrível que pareça, também tinha horror a dentista. Por esse motivo, seus dentes eram todos estragados. Na sua boca, só haviam pedaços de dentes, o que chamava a atenção dos colegas de trabalho e até dos pacientes. Esse médico, Dr. Vicenço, anos depois, viu-se obrigado a se submeter a um tratamento odontológico de urgência, para poder viajar ao exterior, onde foi fazer um curso de Especialização. Dizem que teve que tomar uma anestesia geral, para retirada das raízes e cacos de dentes que ainda lhe restavam, para dar tempo de colocar uma prótese.
Por outro lado, o matuto, na sua ignorância e com seu medo exagerado, preferia extrair todos os dentes, mesmo sãos, e colocar uma dentadura postiça. Somente assim, estaria livre de futuras dores de dentes e tratamentos dentários.
Na mesma cidade, residia Regina, uma jovem de 15 anos, cheia de pantim e que também tinha verdadeiro pavor a dentista. Preferia viver sofrendo constantes dores de dentes e tomando analgésicos, a procurar o socorro de um desses profissionais. Fugia do dentista, como o diabo foge da cruz.
Certa vez, depois de muita insistência, Dona Lili, sua madrinha, conseguiu convencê-la a ir ao único dentista da cidade, e se prontificou a custear o tratamento que fosse necessário. Dona Lili marcou um horário com Dr. Gilvandro, e às 15 horas de uma terça-feira, Regina estava no consultório para ser atendida.
Hesitante, a moça demorou a se sentar na cadeira do profissional e também demorou a abrir a boca. Dr. Gilvandro já estava impaciente e quase desistindo de atendê-la.
Finalmente, o dentista conseguiu examinar os dentes de Regina e constatou a necessidade de um tratamento sério.Todos os dentes da jovem estavam bastante estragados e alguns não davam mais para restaurar. Outros precisavam de coroas. Com a paciência de Jó, Dr. Gilvandro convenceu a moça a fazer, naquela ocasião, a primeira extração de um resto de dente, que só tinha a raiz. A paciente concordou, mesmo com os olhos arregalados e o medo estampado no rosto. O dentista chegou a colocar o anestésico na seringa. Quando ia aplicá-lo, Regina, muito nervosa, praticamente pulou da cadeira. Disse-lhe que iria até a calçada, ver se sua mãe já estava vindo ao seu encontro, conforme prometera. Não deu tempo de Dr. Gilvandro dizer nada. Como um furacão, a moça saiu numa carreira só e nunca mais voltou. O dentista ficou com a seringa na mão até o anoitecer. A jovem nunca mais cruzou o seu caminho.
Dona Lili ficou muito contrariada com o comportamento da afilhada e pediu mil desculpas ao dentista.
Anos depois, Regina disse a Dona Lili que passara a ser adepta da Macrobiótica e estava convencida de que os seus dentes iriam “renascer”, com essa dieta. Ninguém sabe de onde ela tirou essa ideia.
Atualmente, já sessentona, Regina ainda continua esperando esse milagre.