“Direi algo pela primeira vez em muito tempo: eu não bebo álcool há dois anos e meio”, celebrou Drew Barrymore, estrela de sucessos como “As panteras”, “Como se fosse a primeira vez” e “E.T”, em uma entrevista no final do ano passado para um canal de TV americano. “Notei que era algo que não servia mais para mim nem para minha vida”, completou a atriz.
Embora seja bastante discreta em relação à sua vida pessoal, Drew tem uma história de vício bastante conhecida do showbiz. Foi aos 9 anos de idade que ela teve seu primeiro contato com o álcool. A embriaguez em tenra idade era incentivada por colegas atores, cuja presença de uma garota tão jovem em festa de adultos não causava qualquer constrangimento. Eles riam e a desafiavam a beber. Ela bebeu e passou boa parte dos seus 47 anos lutando contra o vício.
O exemplo de Drew é pedagógico em países como o Brasil, onde existe uma cultura permissiva em relação ao consumo de álcool por menores, o que é contra a lei. Não raramente, ouve-se o argumento “deixa beber, quem nunca encheu a cara na adolescência?”.
Os defensores dessa ideia costumam ser adultos que tiveram muita experiência com álcool antes dos 18 anos e depois conseguiram levar uma vida produtiva. O que não levam em conta é que o consumo na adolescência eleva as chances de adição alcoólica por toda a vida. Por isso muitos dos que começam cedo acabam ficando pelo caminho. E, no Brasil, o número desses que começam cedo não para de aumentar.
É o que mostra a recente Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), ligada ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com os dados do estudo, o percentual de alunos do 9° Ano do Ensino Fundamental que já experimentaram bebidas alcoólicas cresceu dez pontos percentuais em sete anos: de 53% em 2012 para 63% em 2019. Jovens de diferentes classes sociais estão sendo afetados.
Não é normal
— O primeiro problema que temos de enfrentar é essa ideia generalizada de que os jovens podem beber. É uma normalização nociva. Em termos de prevenção, não podemos catalogar essa prática como algo corriqueiro e comum — afirma Ilana Pinsky, psicóloga clínica e consultora da Organização Pan-Americana de Saúde.
Ilana ainda levanta uma segunda preocupação: o aumento do consumo entre as garotas, que cresce de forma mais rápida do que entre os adolescentes do sexo masculino. Entre as meninas do 9° Ano no Brasil, a experimentação de bebida alcoólica saiu de 55% em 2012 para 67,5% sete anos depois. Já entre os rapazes, os percentuais foram de 50,5% em 2012 para 59% em 2019.
Embora o salto seja menor, o dado agregado dos homens esconde algumas nuances. De acordo com o sanitarista Marco Andreazzi, do IBGE, a tendência é decrescente para os meninos das escolas privadas, mas crescente para meninos de escolas públicas. No caso das meninas, a alta se dá nas esferas pública e privada. Esse aumento causa especial preocupação uma vez que é sobre as mulheres que recaem as maiores taxas de depressão e ansiedade — quadros amplamente prejudicados pelo consumo desmedido de álcool.
Escudo para o cérebro
Antonio de Salles, neurocirurgião do Hospital Vila Nova Star e fundador da clínica Neurosapiens, em São Paulo, explica que por trás da contraindicação do consumo de álcool entre os adolescentes está a tentativa de proteger o cérebro em um momento crítico da vida. Hoje compreende-se que o órgão mais importante do sistema nervoso está em formação até os 25 anos.
A bebida alcoólica ainda na adolescência e início da juventude pode comprometer esse desenvolvimento, sobretudo em uma fase na qual há decisões importantes a serem tomadas em termos de desenvolvimento pessoal e de carreira.
São justamente os malefícios conhecidos do álcool no cérebro ainda imaturo que mora a preocupação dos especialistas.
Uso precoce = mais vício
— Hoje já sabemos que quanto antes ocorre a experimentação, maior é a chance de existir um uso frequente. Tem um outro padrão que nós percebemos, que é a relação ao uso repetido e pesado de álcool com uma relação familiar mais desestruturada, em que pai e mãe têm algum tipo de questão relacionada à saúde mental, ou que o próprio jovem apresenta uma personalidade mais complexa. Essas coisas vêm juntas — diz Carolina Hanna, psiquiatra do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.
O sinal de alerta não deve soar apenas para aqueles que bebem com os amigos em festas. Um longo estudo sobre o tema foi publicado no mês passado. Preparado pela Universidade Carnegie Mellon, nos Estados Unidos, levou em conta a saúde de 4.000 americanos em diferentes períodos. Quando estavam na faixa entre 18 anos e 24 anos e mais tarde. O resultado mostrou que os jovens que bebem sozinhos tiveram maior propensão a desenvolver alcoolismo aos chegar aos 35 anos.
O problema é global. A Organização Mundial da Saúde estima que um em cada grupo de quatro jovens entre 15 e 19 anos em todo o mundo consuma álcool costumeiramente — um grave problema de saúde pública.
Para levar a mensagem de cautela aos adolescentes, acreditam os especialistas, é necessário mais do que uma simples advertência dos pais, mas sim uma ação coletiva entre os responsáveis, escolas e governos para desestimular este uso.
Exemplo que vem do frio
Ronaldo Laranjeira, médico psiquiatra da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), sugere um modo de ação. Ele explica que o maior exemplo global para controle da bebida entre adolescentes é a Islândia.
De acordo com levantamentos locais, a prevalência de jovens de 15 e 16 anos que faziam uso de álcool — e tinham ficado bêbados alguma vez nos últimos 30 dias — passou de 42% em 1998 para 5% em 2016.
O motivo do sucesso foi a realização de pesquisas nacionais e periódicas que avaliavam a saúde emocional e o comportamento de jovens ainda em idade escolar. Munidos dessas informações, os governos locais dedicaram mais recursos e atenção às atividades extracurriculares culturais e de esporte. As famílias também eram convidadas a fazer parte dessa conversa, desestimulando o uso de álcool e drogas em atividades cotidianas.
— A família sozinha não consegue olhar para os filhos 24 horas por dia. É preciso uma combinação de esforços e o estabelecimento de uma cultura cuidadora. Aqui no Brasil temos sido absolutamente negligentes com os jovens e adolescentes — lamenta Laranjeira.