RIO — Aos 82 anos, Martinho da Vila descobriu durante a quarentena o prazer de cozinhar. Mas a atividade também aguçou seu apetite pela música. Então, ele passou a fazer de utensílios culinários instrumentos de percussão. Assim surgiu a ideia para a live “Batuque na cozinha”, que o bamba realiza hoje, às 15h, em seu canal no YouTube (/martinhodavilaoficial).
— Aprendi que gosto de cozinhar a esta altura do campeonato. Como não entendo muito, improviso uma janta com as sobras do almoço — conta Martinho, que está em isolamento social ao lado de Cléo, sua mulher, e dos filhos Preto e Alegria. — É rotina, mesmo. Cada um faz uma coisa.
A apresentação virtual, como define o cantor, compositor e escritor, “é inspirada no João da Baiana” (1887-1974), autor da canção que dá nome ao projeto.
— Vou começar e terminar com essa música, tentando imitá-lo, essas coisas. Vai ser como um monólogo que um ator faz. Cantarei à capela e batucando nos elementos da cozinha, como panela, prato, frigideira. Batuco até no fogão! — gargalha. — Vai ser improvisado, o roteiro não está muito definido. É como um show normal, só defino o início e o final. É como me dizia o (jornalista, produtor musical e diretor de TV) Fernando Faro: “O show tem que começar e terminar bem.. Se iniciar devagar, o público não gosta.”
Do que está definido do repertório, Martinho adianta outras homenagens:
— Vou contar um pouco da história do João, do Adoniran Barbosa e do Paulo Vanzolini. Estarei sozinho, mas também vai ter alguma interação. Meus filhos vão entrar e pedir músicas — explica o artista, que também vai cantar “Pelo telefone”, de Donga, o primeiro samba gravado, e sucessos como “Casa de bamba” e “Canta, canta, minha gente”, além de “Menina moça”, faixa que o lançou ao grande público no III Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, em 1967.
‘Não penso muito na morte, não’
No período de isolamento social, apesar da perda de colegas como Aldir Blanc e Moraes Moreira, Martinho garante que não perde tempo pensando sobre a finitude da vida:
— Também perdi amigos da Vila Isabel. Mas não penso muito na morte, não. O que é certo, você não precisa pensar. Não tenho medo. O que penso às vezes é que não gostaria de ficar doente muito tempo, sofrendo, isso é ruim. Dá muito trabalho. E sofrimento para os outros — desabafa Martinho, que cita os versos “se Deus quiser, eu vou ficar bem velho”, de “Depois não sei”, do disco “Sentimentos” (1981). — Meu projeto de vida é ficar velho, o negócio é ficar vivo. O Preto tem 25 anos, mas é mais velho que eu, vive me vigiando (risos). O que importa é a jovialidade. Não envelhecer? Tô fora.
Atento aos protestos contra o racismo mundo afora, o bamba se mostra otimista.
— É um momento delicado e tenso, mas tudo que é ruim tem algo de bom. E o bom disso é o assunto do racismo, que é universal, e está em evidência. E muito gente que achava que não era racista está descobrindo que é. E descobrindo a doença, você pode curá-la. Segundo o Nelson Mandela, o racismo é uma doença curável. É como os cientistas estão tentando fazer com o corona — compara.