Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 21 de setembro de 2018

MARQUESA

 

 
MARQUESA

Era o final da década de 70. Zefa, 26 anos, saía todas as tardes para comprar o pão, na Padaria São Miguel. Numa certa quarta-feira, ao chegarmos do trabalho, não a encontramos em casa. Já eram quase 18 horas e a casa ainda estava às escuras. Também, não havia jantar pronto.

Ficamos apreensivos, quando vimos que o dinheiro do pão não estava em cima da geladeira. Estava claro que Zefa tinha saído para comprar o pão e que algo muito grave havia acontecido. O nosso primeiro pensamento foi de que a moça houvesse sido atropelada, na Avenida. Hermes da Fonseca, onde o trânsito, em Natal, é muito intenso.

Saímos à procura de Zefa, perguntando às empregadas domésticas da vizinhança, se a tinham visto naquela tarde, indo à padaria. Mas ninguém a tinha visto sair de casa. Os empregados da padaria também não a tinham visto. Percorremos todas as ruas próximas à nossa casa, no bairro do Tirol, indagando das pessoas, aqui e ali, se tinham notícia de algum atropelamento, ali por perto, naquela tarde. Todas as respostas foram negativas.

Telefonamos para o Pronto-Socorro mais próximo, mas não constava a entrada de ninguém com o nome de Josefa Maria da Silva, nas ocorrências daquela tarde. Telefonamos para outros hospitais e recebemos a mesma resposta. Até para o IML, nós ligamos, e, para nosso alívio, o nome de Josefa Maria da Silva não constava na relação de cadáveres que tinham dado entrada, no referido órgão, naquela tarde/noite.

No dia seguinte, fomos registrar esse desaparecimento na Delegacia de Polícia Civil.

Zefa era do interior e não tinha parentes em Natal. Trabalhava na nossa casa, há mais de um ano, e o seu endereço era o nosso: Rua Ângelo Varela – 1007, Tirol. Não sabíamos detalhes da sua vida, pois era muito calada e se limitava a fazer suas tarefas domésticas com perfeição. Sua folga dominical, passava na casa de uma amiga chamada Rosilda, cujo endereço nós nunca soubemos.

O fato é que o sumiço de Zefa nos causou um transtorno muito grande.

No sábado, três dias depois do seu desaparecimento, Zefa, por volta das 14 horas, abriu o portão do quintal da nossa casa e entrou, calmamente, dirigindo-se para o seu quarto e fechando a porta.

Mesmo aliviada por ela estar viva, senti uma certa indignação, pelo fato dela ter ficado três dias sem nos dar notícia. Como se fazia antigamente, em Nova-Cruz (RN), tomei uma garapa para me acalmar e fui conversar com Zefa, para saber o que tinha acontecido.

Quando lhe perguntei o motivo do seu inesperado desaparecimento, imediatamente, ela começou a chorar e falou:

– Meu pai está no hospital, operado, muito doente, e eu estava sendo acompanhante dele.

Muito irritada, eu respondi:

-Ainda que ele tivesse morrido, você devia ter mandado me avisar. Você não sabe a aflição que nós passamos com isso. Telefonamos para todos os hospitais e até para o IML, pensando que você houvesse morrido atropelada!!! Fomos à Polícia e comunicamos o seu desaparecimento! Amanhã, seu nome vai ser publicado no jornal “O POTI”, como pessoa desaparecida.

E continuei, irritada:

-Seu pai foi operado de que? Em que hospital está?

Em cima da bucha, Zefa respondeu, sempre chorando:

-Pai se operou de ovário (Isso mesmo, OVÁRIO!!!). Está internado no Hospital das Clínicas, na enfermaria 12, leito 3, pelo FUNRURAL. O nome dele é José Bento da Silva. A senhora pode ir lá, pra ver se não é verdade!!!

É lógico que o pai de Zefa não podia ter sido operado dos ovários. Atribuí o equívoco à sua ignorância. Na certa, o homem havia se operado da próstata.

Peguei a chave do fusca e, sem dizer nada, fui ao Hospital das Clínicas. Constatei as seguintes mentiras:

-Não havia nenhum paciente internado, com o nome de José Bento da Silva;

-Naquele hospital, não havia enfermaria 12, leito 3, no segundo andar;

-Os pacientes do FUNRURAL não tinham direito a acompanhantes.

Voltei para casa, vermelha de raiva e fui novamente conversar com Zefa:

-Como você mente mal, Zefa! Estou voltando do Hospital das Clinicas agora. Seu pai nunca esteve lá, pois o nome dele não consta na relação das pessoas ali internadas. Também não existe enfermaria 12, leito 3, no segundo andar. Mesmo que fosse verdade, os pacientes do FUNRURAL não tem direito a acompanhantes. E você ainda levantou um falso ao seu pai, dizendo que ele se operou de ovário.Quem tem ovário é mulher, Zefa!!!

A “moça” prendeu o choro e confessou:

– “Apois”, vou contar a verdade: Quarta-feira de tarde, eu tive que fazer uma “coretage” (curetagem). Tinha tomado uma garrafada pra abortar e depois que a senhora e seu marido saíram pra trabalhar, senti uma dor muito grande no pé da barriga. De repente, comecei a ter uma “morragia” (hemorragia), que não parava. Com medo de morrer, peguei um táxi na pista e corri pra Maternidade. Só tive alta hoje… A senhora me desculpe! Eu tive vergonha de lhe dizer que estava “buchuda”.

Sem acreditar mais em nenhuma palavra de Zefa, peguei o fusca, novamente, e fui à “Maternidade Escola Januário Cicco”, para conferir se ela continuava mentindo.

Para minha surpresa, dessa vez, ela havia dito a verdade. Seu nome e o nosso endereço estavam registrados na lista de pacientes, atendidas gratuitamente,. na tarde da última quarta-feira. Também estava registrado o procedimento cirúrgico ao qual Zefa fora submetida, em consequência do aborto sofrido. A curetagem, realmente, tinha acontecido, e Zefa não morreu por um triz, pois perdeu muito sangue.

Voltei para casa mais calma e muito triste. Fui ao quarto de Zefa e lhe contei que tinha ido à Maternidade, conferir se o que ela tinha dito, dessa vez, era verdade. De fato, agora estava tudo esclarecido. Reclamei por ela não haver confiado em mim, pois, talvez, nada disso tivesse acontecido. Também, alertei-a para o risco de morte pelo qual ela havia passado, ao provocar um aborto, que poderia ter tirado, ao mesmo tempo, duas vidas. Ela chorou muito e eu confesso que fiquei muito penalizada com o ocorrido. Vi até que ponto vai a miséria humana.

Enquanto isso, ali perto, cheia de ternura, estava Marquesa, a minha gata angorá, alimentando seus filhotes. É impressionante, como os animais amam e defendem suas crias.


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