RIO - Quem acompanha a obra de Marisa Monte sabe que ela é fiel aos velhos parceiros. E em “Portas”, o primeiro álbum de inéditas em quase 10 anos, lançado na noite de quinta-feira, eles estão todos lá: Arnaldo Antunes, Seu Jorge, Carlinhos Brown, Dadi, Pedro Baby... mas o disco também é povoado por alguns colaboradores que nunca tinham participado antes de um disco da cantora (e um que há um bom tempo não estava neles), os quais trouxeram grande diversidade às canções. Alguns bem jovens, até mesmo filhos de parceiros; outros mais experientes, os novos nomes reunidos por Marisa em “Portas” contam as histórias de suas criações.
Chico Brown
Filho de Carlinhos Brown e neto de Chico Buarque, o instrumentista e compositor de 24 anos cresceu cercado pelos Tribalistas. Durante a composição do segundo álbum do grupo, de 2017, ele “já jogava uns versinhos no ar” para o pai, Marisa e Arnaldo. Assim foi que, em outubro de 2016, dedilhando ao violão na casa da cantora, ele fez a sua primeira parceria com ela: “Medo do perigo” – uma das cinco composições da dupla que acabaram entrando em “Portas”.
— Marisa aproveita ao máximo o potencial semântico da música, a letra está sempre em ressignificação.
Silva
Expoente do pop eletrônico brasileiro dos anos 10, o capixaba Silva começou a mostrar novas facetas de seu trabalho em 2016, quando lançou “Silva canta Marisa” – álbum que nasceu de um show com o repertório da cantora e que a levou a convidá-lo, junto com o irmão, Lucas, para uma reunião em sua casa.
— No final desse primeiro encontro nos sentamos ao piano e logo compusemos duas músicas. Uma delas (“Noturna (nada de novo na noite)”) entrou no “Silva canta Marisa” e a outra guardamos — conta o músico.
E a tal música de Marisa com os irmãos Silva é “Totalmente seu”, balada de piano gravada em “Portas”.
— Fiquei muito feliz quando ela me contou que gravaria a canção — diz Silva. — Queríamos que ela mantivesse aquele clima do dia em que a compusemos, com o piano guiando. Depois, soube que Marcelo Camelo escreveria um arranjo de cordas para a música e fiquei emocionado quando a ouvi pronta.
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Segundo o cantor, depois do primeiro encontro a parceria com Marisa seguiu “em outras músicas, que estão guardadas em seu baú”.
Pretinho da Serrinha
Amigo de Marisa, o sambista entrou em “Portas” com “Quanto tempo” (composta com a cantora e Pedro Baby) e com “Elegante amanhecer”, o samba mais tradicional do disco.
— Eu estava comentando o Carnaval de 2020 e a Portela foi a última escola a entrar na avenida. O dia estava raiando, aí juntou o azul do céu com o brilho do sol e ficou uma coisa impressionante. Fui para casa, dormi e já acordei cantando uma primeira parte: “foi lindo de ver sua Portela”. Vi então que precisava achar um portelense para me defender, porque não ia chegar na Serrinha falando que fiz um samba inteiro pra Portela — explica Pretinho, que resolveu então ligar para Marisa Monte. — Ela disse: “vem pra cá, a gente almoça e faz o samba”. E foi assim que aconteceu. A gente consegue ver a Marisa total na segunda parte do samba. É uma homenagem àquele carnaval de 2020 que a Portela poderia ter facilmente ganhado também.
Nando Reis
Parceiro fundamental de Marisa Monte nos discos “Mais” (1991) e “Verde, anil, amarelo, cor-de-rosa e carvão” (1994), o ex-Titãs tinha emplacado a última canção em co-autoria, “Gerânio”, no disco “Infinito particular”, de 2006. Em “Portas”, Nando volta com “Praia vermelha”, retomada da parceria com a cantora em formato de delicado folk, com versos bem típicos da produção da dupla: “Água aguaceira / que lava cada telha / na calha a goteira / pingava cachoeira / enxágua / a certeza-iá / que deixei por lá”.
Segundo o cantor, a composição tem, possivelmente, cinco ou seis anos.
— Marisa me mandou uma melodia linda, e eu imediatamente escrevi a letra e a enviei. Quando começou a fazer “Portas”, ela me mandou um áudio cantando a música, o que me deixou surpreso e satisfeito, já que não me recordava do quão ela tinha gostado dessa composição que fiz especialmente para ela — revela Nando. — Estar de volta em um disco de Marisa é muito bom, estou muito feliz. Ela é fabulosa, uma artista incrível e muito importante em minha vida.
Flor
A filha de Seu Jorge, de 18 anos, entrou na parceria do pai com Marisa em “Pra melhorar”, positiva canção de encerramento de “Portas”. A música nasceu em 2014, num churrasco em Los Angeles.
— A Marisa falou que estava com uma melodia na cabeça mas não conseguia escrever a letra. Eu, doida de pedra, memorizei a melodia e no dia seguinte, numa festa, cantei para ela que tinha escrito — conta Flor. — Marisa se apaixonou imediatamente pela letra. Fomos então, eu, ela e meu pai, direto para o estúdio para terminar a música e gravá-la. Foi lindo, mas depois disso continuamos com nossas vidas.
Seis anos depois, a cantora ligou perguntando se Flor não gostaria de cantar a canção novamente, para o seu disco (e Marisa dirigiu remotamente a gravação por Zoom).
— No começo deste ano, fiz uma viagem para o Brasil e consegui encontrar com ela pessoalmente, depois de ser testada para Covid, e ouvir a música pela primeira vez — revela a filha de Seu Jorge, que há poucos dias lançou a primeira canção de seu trabalho solo, “Sapiens”. — É uma loucura me ouvir quando eu tinha 11 anos e agora, com 18. Inesquecível e absurdamente bonito.
Marcelo Camelo
Foi por intermédio de Simon Fuller, empresário do grupo Los Hermanos e de Marisa Monte, que a cantora recebeu a bossa “Espaçonaves”, de Camelo. Tendo gostado muito da canção, ela resolveu chamar o hermano para compor em parceria. Surgiram então o samba-rock “Você não liga” e o folk “Sal”. As três canções entraram em “Portas” em versões nas quais Camelo não só tocou alguns instrumentos, como ainda fez arranjos orquestrais. O seu lado arranjador também pode ser ouvido na “Totalmente sua”, de Silva e Marisa.