Maria da Silva comprou dois lotes de terrenos na Região Metropolitana do Recife, ambos adquiridos de uma imobiliária de renome, fruto do trabalho árduo e do dinheiro ganho de forma honesta da labuta do domingo a domingo sem descanso.
Após a aquisição dos dois terrenos, Maria da Silva, que fazia questão de ter tudo certinho, registrou a promessa de compra e venda no Cartório de Registro Geral de Imóveis da Jurisdição, para que, se um dia chegasse a sofrer algum esbulho, acreditava ter legitimidade ampla para expulsar o esbulhador, como prever a legislação que rege o Instituto.
Cinco anos após ter comprado os dois lotes de terreno, mantidos limpos e cercados de arame farpado, recebeu a visita inesperada em sua casa de uma vizinha informando-a que uns sem-chão tinham invadido um dos lotes de terreno, com a ajuda de um confinante mau caráter, e que já estava edificando uma casa de alvenaria e cercado a metade do terreno com arame farpado, e derrubado a cerca dela.
Assim que tomou conhecimento da invasão em um dos terrenos Maria da Silva não perdeu tempo: se dirigiu até o local, procurou o esbulhador e este não lhe deu o ouvido. Ela tirou fotografias de vários ângulos do terreno invadido, do casebre e muro edificados irregularmente, fez um boletim de ocorrência na Delegacia da jurisdição, e procurou um Defensor Público para ingressar com uma ação competente em desfavor do invasor a fim de tirá-lo o mais rápido possível do terreno invadido antes que ele, o invasor, adentrasse mais ainda.
Passados mais de seis meses sem a disponibilização de um Defensor Público na vara competente, Maria da Silva procurou um advogado pro bono e ingressou com a ação competente na vara da comarca do domicílio do terreno a fim de tirar o invasor, que àquela altura já havia espalhado a todo mundo ser o dono do terreno e que iria resistir a qualquer tentativa de tirá-lo!
O advogado, solícito e comovido com a situação de Maria da Silva, não perdeu tempo. Preparou a ação competente com todas as provas pertinentes: Documentação do terreno, como a Certidão de Inteiro Teor e Ônus Reais, comprovando a titularidade dos dois terrenos, fotografias que comprovavam o terreno invadido, certidão de IPTU dos dois terrenos pagos, Boletim de Ocorrência da queixa na Delegacia local, narrando a data do esbulho, com tudo que comprovava a verossimilhança dos fatos, o que legitimava Maria da Silva a requerer em juízo o pedido liminar para a retirada imediata do invasor do seu terreno sem a justiça ouvi-lo, uma vez que presentes se encontravam a fumaça do bom direito e o perigo da demora, requisitos essenciais para concessão da tutela de urgência.
Mesmo com todas as provas demonstrando o esbulho, o juiz negou a liminar, alegando não estar convencido da verossimilhança das documentações oficiais, mandando citar o réu para se defender e intimar a prefeitura da jurisdição dos terrenos para apresentar laudo técnico da localização exata dos mesmos.
O réu apresentou sua resposta, mais truncada do que os cofres das prefeituras municipais. O técnico da prefeitura, intimado por três vezes, não apresentou o laudo técnico. E o processo ficou feito bosta na água, boiando a espera de uma solução jurisdicional.
Marcada a Audiência de Tentativa de Conciliação, essa resultou sem êxito, com o juiz concedendo prazo às partes se manifestarem em quinze dias úteis. Na defesa, o réu não apresentou nada de concreto que justificasse a sua invasão e o laudo técnico apresentado foi de um croqui rabiscado por um estudante de arquitetura e uma avaliação do terreno invadido feita por um corretor de imóvel sem CRECI. E o Juiz do processo aceitou as provas do invasor numa boa!
Quanto à resposta do técnico da Prefeitura, este descumpriu mais uma vez a ordem judicial, mesmo com o estabelecimento de multa pelo descumprimento e a ameaça de prisão coercitiva por descumprimento. E o laudo técnico apresentado foi de um particular autorizado pelo juiz.
Após o saneamento do processo o juiz marcou nova Audiência de Tentativa de Conciliação, Instrução e Julgamento porque caso as partes não chegassem a um acordo em audiência, ele, o juiz, iria analisar os documentos acostados aos autos e, verificada a verossimilhança das provas apresentadas pela autora, confrontando-as com as apresentadas pelo réu, ouvida as testemunhas, concederia a liminar para a retirada do invasor, uma vez tratar a ação reivindicatória de uma posse legítima e a proprietária tinha a posse do bem esbulhado, mas o perdeu e queria recuperá-lo de quem o detinha injustamente. Está fundada no famoso “direito de sequela”, ou seja, direito que tem o proprietário de perseguir a coisa, buscando-a das mãos de quem quer que injustamente a detenha.
A nova tentativa de conciliação resultou frustrada e o juiz negou novamente a liminar pleiteada pela autora bem como julgou improcedentes todos os pedidos requeridos, mesmo com todas as provas comprovando a titularidade dos terrenos e o esbulho!
Inconformada, frustrada com a decisão de 1.º grau, Maria da Silva se socorreu de recurso competente ao Tribunal de Justiça para atacar a sentença de primeira instância. À unanimidade, o colegiado, seguindo o voto do relator, anulou a decisão do juiz e proferiu nova sentença, desta vez dando causa ganha a autora que teve seu direito finalmente reconhecido em segunda instância.
Descobriu-se depois que o juiz que conduziu a ação e proferiu a sentença em primeira instância possui um histórico de negligência, imperícia e imprudência na sua missão jurisdicional, ocupando o cargo que passou por meio de concurso público apenas para manter o status quo social por capricho da família, e os jurisdicionados que se explodam na casa da puta que os pariu com seus direitos violados!
A morosidade da prestação jurisdicional tem frustrado direitos no País, desacreditando o Poder Público, especialmente o Poder Judiciário e afrontando os indivíduos. A justiça que tarda, falha. E falha exatamente porque tarda. Não fosse a intervenção dos desembargadores do Tribunal de Justiça que, à unanimidade reconheceram o direito de Maria da Silva lhe devolvendo o terreno da posse de quem o havia esbulhado, esta carregaria na memória a frase de Rui Barbosa: “Justiça tardia nada mais é do que injustiça institucionalizada.”