Garotas do cabaré de Glorinha do Crato (CE), à semelhança das de Maria Bago Mole
Dedicado à Schirley, Violante Pimentel (Vivi), Sancho, D.Matt., Adônis Oliveira, e a todos os admiradores da empreendedora cafetina, que se orgulhava da profissão.
Dois anos após idealizar o embrião do cabaré na Vila dos Vinténs, Maria Bago Mole recebera a visita inesperada de Valentina, uma morenaça filha de escrava africana com imigrante italiano. Cabocla de um metro e oitenta de altura que aparentava ter seus trinta anos, seios duros e bunda majestosa, mas no rosto a face da fome, do sofrimento, do abandono e do horror.
Assim que bateu os olhos naquela mulherona sofrida em sua frente, pedindo ajuda na porta de entrada do cabaré, Maria Bago Mole não pensou duas vezes: mandou-a entrar, tomar um banho na sua suíte, sentar-se depois à mesa do bar e ordenou às meninas prepararem um prato caprichado para a visitante.
Após Valentina ter tomado o banho, comido e descansado, Maria Bago Mole a convidou até o seu aposento para uma conversa ao pé do ouvido, de mulher pra mulher:
– De onde tu vens, menina, com esse olhar amargurado? Tu tão bonita, charmosa e com todos os atributos corporais que os machos mais desejam numa mulher?
– Eu… eu…fugi do engenho “Pau Grosso” do comissário Juvenço Oião, Dona Maria. – Disse Valentina em tom de desabafo à cafetina, e começou a chorar de emoção por ter sido acolhida pela proprietária do cabaré. – Lá eu era muito explorada no trabalho, vivia como uma escrava, sem contar que tinha de fazer sexo a pulso com aquele homem bruto, horroroso e fedorento quase toda noite. Até arrancaram-me a ferro a mando dele, com a ajuda de duas parteiras da redondeza, dois filhos que foram gerados nessa barriga – e apontou para a barriga chorando, levantando a blusa que apareciam os peitos, o que levou Maria Bago Mole a acreditar que Valentina não nasceu para ser puta de cabaré, mas dona de casa.
– Depois de muito sofrimento – continuou Valentina – e pressentindo que poderia ser morta por disputas entre capangas selvagens a qualquer momento, tomei conhecimento da “casa” da senhora e fugi de lá à noite só com a roupa do couro pelos canaviais, enfrentando espinho, urtiga, fumigas, cobras, lagartos, mas o maior medo para mim – e senti isso na pele – era que os homens do comissário Oião descobrissem a minha fuga e viessem no meu encalço para me estuprar e depois matar.
Depois desse bate papo confidencial com Maria Bago Mole, Valentina ficou mais tranquila porque a cafetina prometeu acolhê-la e qualquer que fosse o “macho” que aparecesse ali para importuná-la levava bala. Seu Bitônio Coelho, que sempre se encontrava presente nas horas delicadas da amada, já estava sabendo do ocorrido e teria providenciado dois capangas de confiança para vigiar no entorno do cabaré e matar qualquer suspeito que se aproximasse.
Quando chegou à “casa,” fugida da fazenda do comissário Juvenço Oião, Valentina estava à beira da morte com uma doença venérea que havia contraído dos homens com quem era obrigada a transar a força. Foi quando Maria Bago Mole pediu ajuda a seu amado, Bitônio Coelho, que conhecia um médico de família bem conceituado na região. Levou Valentina até a casa dele, no engenho “Olho d’Água” em sua carruagem, armada com o COLT 45, na companhia de dois capangas armados até os dentes por ordem do coronel.
Ao chegar à fazenda do Dr. Justino Quentão, Maria Bago Mole desceu da carruagem segurando a paciente cambaleando de febre e a levou até o consultório “Deus é Amor”, sempre acompanhada dos dois capangas, por ordem expressa do coronel Bitônio Coelho. “Para inimigos não se fecham os olhos” – dizia. O médico examinou Valentina, aplicou-lhe uma injeção, deu-lhe uma pomada para passar na “rachada” duas vezes por dia, durante quinze dias, e pediu-lhe que tomasse uns comprimidos antibióticos bactericidas, recomendando-lhe repouso absoluto por dez dias sob pena de a doença se agravar mais e ela vir a óbito. “Bactérias são perigosas!” – dizia Dr. Quentão.
Duas semanas depois da consulta com o Dr. Justino Quentão, Valentina já se encontrava recuperada e disposta a fazer de tudo para pagar o favor que Maria Bago Mole fez por ela, tê-la acolhido no cabaré e a levado um médico que a curou da doença, livrando-a da presença funesta de “maria caetana.”
Sincera consiga mesma e leal aos seus princípios, Maria Bago Mole encontrou um meio de ganhar muito dinheiro com a presença de Valentina no cabaré, sem expô-la à exploração sexual. Pediu que as outras meninas a produzisse toda, colocando-a com roupa transparente num determinado local do saloon do cabaré, refletida na luz do espelho. Instalou um cassino no meio da festa, como no Velho Oeste Americano, e determinou que o forasteiro que desse o melhor lance da noite dormiria com a morenaça, inclusive com a promessa de se casar ali mesmo no cabaré e levá-la para casa.
Para cada noite Maria Bago Mole bolava um obstáculo nas bolas do cassino, para ninguém arrematasse Valentina e com esse estratagema o cabaré movimentava-se, entrava muito dinheiro no caixa e as meninas faturavam gordas comissões sem se submeterem aos caprichos sexuais dos fregueses indigestos, o que deixava a cafetina feliz da vida e mais criativa.
A fama da mulher em disputa quase nua, refletida no espelho, se espalhava por toda redondeza, o que atraia ainda mais a atenção dos homens, que imaginavam Valentina, a lenda do cabaré: uma deusa linda, gostosa e nua, com todo mundo a desejando, mas ninguém conseguindo o xeque mate no cassino, o que aumentava cada vez mais o sucesso do cabaré. Mas ninguém atinava que, quem estava por trás de todo aquele sucesso era a mulher dos sonhos do Seu Bitônio Coelho, que sabia como ninguém manipular os homens a gastarem todo dinheiro ganho na quinzena da palha da cana.