Carruagem inglesa, à moda da de Maria Bago Mole
O dia vinha amanhecendo com um sol prazeroso de se contemplar, iluminando o rosto cansado e triste dos lares humildes do local quando Maria Bago Mole resolveu deixar a Coreia com suas seis meninas recolhidas no cabaré de Palmares e cidades adjacentes. Antes de partir alimentou os cavalos, verificou se seu COLT 45 estava funcionado bem, pois iria enfrentar uma estrada longa, cheia de armadilhas e ciladas, onde aventureiros inescrupulosos agiam com a conivência dos comissários de polícia, que lembravam os caçadores de recompensas do velho oeste americano.
A cafetina estava feliz com o resultado econômico da viagem, pois apesar de negociar com a profissão mais antiga do mundo, que provocava ciúme e revolta nas madames, que pegavam em armas para eliminar suas desafetas, as mulheres da vida difícil, pois não aceitavam seus homens deitando com prostitutas desqualificas, a viagem havia lhe aberto o horizonte para a expansão de novos cabarés como previa o Seu Amado, o coronel Bitônio Coelho, quando da última noite que dormiram no aposento do cabaré.
Maria Bago Mole, apesar de viver num ambiente pesado para a época, onde a prostituição era a troca consciente de favores sexuais por dinheiro, ela fazia questão de transformar o lugar em pura diversão sexual, sem violência, com cada homem no seu espaço. Mas sempre havia momentos que era impossível conter os excessos provocados pelos frequentadores mais afoitos que estavam ali para se divertirem e fugirem do “papai e mamãe”, e depois de umas e outras no guengo, queriam por que queriam ser o centro das atenções por terem dinheiro e influência política. Era nesse momento que a cafetina usava de sua experiência e habilidade para brecar os arroubos viris.
Depois de mais de dezesseis horas de viagem por entre canavial, mata virgem e buracos na estrada, Maria Bago Mole se aproxima do cabaré e, intuitivamente, percebe um movimento estranho que não costumava ver quando ela estava na administração. Com cuidado, e usando a tática dos volantes e cangaceiros, desce da carruagem, que a essa hora já tinha sido avistada pelas “meninas” que ficaram tomando conta da “casa” na viagem dela e temendo pela sua vida, e caminha em direção ao cabaré. É nesse momento que aparecem dois “estranhos” que estavam à procura dela desde cedo a mando do comissário Juvenço Oião, que não aceitava o sucesso de Maria Bago Mole, nem a sua relação com o coronel Bitônio Coelho.
Colt 45 à mão e já de noite, a cafetina vem caminhando rente ao mural de madeira que cercava a área do cabaré, desde a descida da carruagem até à frente do bordel em silêncio tumular, quando houve a voz embargada de dois homens que caminhavam em sua direção. Como estava escuro, a mais ou menos três metros de distância a cafetina vendo os vultos em sua direção, não perdeu tempo, puxou o gatilho do colt 45 e o estampido clareou o escuro:
– Tá! tá! tá! tá! tá! tá! tá! tá! … Os dois malfazejos caíram pronto à cidade de pés juntos!
Com os peitos intumescidos, chapéu em cima do cabelo arriado, Colt 45 ainda na mão fumaçando, Maria Bago Mole vocifera:
– Tome aí, seus dois cabras safados, o que vocês queriam! No meu terreiro, o valentão que tentar cantar de galo, leva chumbo!
Terminado o “serviço,” se dirigiu ao cliente de cada mesa e acalmou a cada um, dizendo que estava tudo bem e que poderiam se divertir com as meninas a vontade. O que aconteceu foi um incidente irrelevante. Faz parte do negócio. Sentou-se à mesa, pegou uma caneta e um caderno, escreveu um bilhete à mão ao Seu Amado, Bitônio Coelho, narrando o ocorrido e pedindo sua presença com urgência. Pegou uma garrafa de Johnnie Walker, tomou um gole com coco do pote, e pensou consigo: a vida é bela!