» BRUNA LIMA
Publicação: 09/04/2019 04:00
Movido pelas palavras, o Usina de Ideias estava a todo o vapor. A mente sã, por nenhum momento deixou a criatividade escapar. A idade, no entanto, bateu a porta e, na tarde de ontem, Brasília perdeu um de seus maiores cronistas e escritores. Aos 80 anos recém-completados, Márcio Cotrim morreu, na tarde de ontem, na residência onde viveu por mais de três décadas, no Lago Sul. Estava ao lado da mulher, Eliana Cotrim. Deixa duas filhas, Flávia e Mônica; e cinco netos: Gustavo, Rodrigo, Thiago, Guilherme e Alexandre. O velório será hoje, das 11h às 16h, na Capela 6 do Campo da Esperança, na Asa Sul. O enterro está marcado para as 16h.
A procura incessante pelo saber e o planejamento de inúmeros projetos visando valorizar as raízes e a cultura brasileira fazem jus ao apelido recebido de amigos e admiradores de Cotrim. “Uma locomotiva de ideias, presença inspiradora. Não importava se o tempo estava bom ou ruim, o olhar dele era sempre para frente”, traduz Luiz Marcelo Pinheiro Chaves, genro do pioneiro e escritor.
Nascido no Rio de Janeiro, em 14 de março de 1939, Cotrim se formou em direito, mas foi usando o poder da comunicação que se destacou profissionalmente. Chegou a Brasília em 1972, onde atuou como assessor de propaganda e promoções do Banco do Brasil e, posteriormente, assumiu a Secretaria de Cultura e Esporte do DF, sendo o responsável pela criação do Conselho de Cultura e do Fundo de Apoio à Cultura (FAC).
Em 1992, entrou para o grupo dos Diários Associados, construindo um legado de informação e cultura. Por quatro anos, respondeu pela direção de marketing do Correio Braziliense e, depois, assumiu o cargo de diretor executivo da Fundação Assis Chateaubriand. Nos corredores do prédio, era visto com frequência. Ficou conhecido também pelas famosas colunas que escrevia semanalmente para o jornal.
Amante da língua portuguesa, achou na riqueza do vocabulário brasileiro a inspiração para escrever O pulo do gato, livro em que explica a origem de mais de 200 palavras e expressões populares. O tema rendeu pelo menos mais cinco volumes, que entraram para o rol de publicações do escritor. Foram mais de 15 livros, além dos incontáveis artigos para o jornal.
Dentre os temas preferidos que abordava nas crônicas estava a favorita Brasília. Em uma de suas últimas publicações, Cotrim valoriza a maneira com que nasceu a capital, “que se construía freneticamente numa saga poucas vezes igualada na história da humanidade”. E pela cidade, o pioneiro também fez história. “Márcio era um cronista que nos instruía e divertia. Que descanse em paz”, manifestou o geógrafo e professor emérito da Universidade de Brasília (UnB) Aldo Paviani.
Consolidou inúmeros projetos culturais, não só para a Fundação Assis Chateaubriand, como também para toda a cidade. Foi dele a iniciativa de criar prefeituras nas quadras do Plano Piloto, sendo ele o primeiro a assumir a função, na SQS 303. “Cada quadra é uma cidadezinha de 3 mil habitantes”, costumava definir Cotrim. Atualmente, a capital conta com mais de 100 prefeituras de quadras.
Trajetória
Em reconhecimento às ações que implementou na cidade, Cotrim chegou ser homenageado, em vida, ao dar nome a um dos prédios da construtora Paulo Octávio. O comunicador e o empresário eram amigos. “Márcio teve uma brilhante trajetória, enaltecendo a epopeia de Brasília, seus pioneiros e o legado de JK, com muita sabedoria, inteligência e bom humor. A cidade perde um de seus mais valorosos heróis. A saudade do amigo será imensa”, homenageou Paulo Octávio.
Pelas contribuições também recebeu o título de cidadão honorário de Brasília. Como figura de grande relevância para a língua portuguesa, conquistou o Prêmio Carlos de Laet, da Academia Brasileira de Letras. Ele ocupava, ainda, a cadeira de número 30 da Academia Brasiliense de Letras, cujo patrono é Monteiro Lobato, uma das grandes inspirações e referências que Cotrim tinha como escritor. “Ele se orgulhava muito disso e a ocupou com louvor. Era um cronista primoroso, de texto irretocável. Um amigo cordial, elegante e generoso, com uma gargalhada maravilhosa. Apaixonado pelas palavras, pela cultura, pela família e, não posso deixar de mencionar, pelo Fluminense”, relembra o amigo e presidente da Academia Brasiliense de Letras, Fábio Coutinho.
Devido a problemas de saúde, Cotrim passou boa parte dos últimos momentos em casa e aproveitando os almoços em família. “Ele era uma pessoa atenciosa, caseira e sempre muito ligado a área de cultura, em geral”, conta o genro Luiz Marcelo. A fragilidade do corpo não impediu, no entanto, que a energia para a escrita se apagasse. “Só o corpo envelheceu, porque a mente estava a mil”, conta Celeste Antunes, funcionária administrativa que trabalhava diretamente com o comunicador.
Parece que o grande curioso e desvendador de significados sabia, mesmo antes de partir, do legado forte e eterno que deixaria para somar. Como ele mesmo dizia: “Esse é um filão que nunca se esgotará, porque as palavras nunca terminarão.”