RIO - Saltos, coreografias, malabarismos com o pandeiro e peripécias com a cuíca fizeram deste carioca uma sensação na noite dos anos 1970, em casas como o Sambão & Sinhá (restaurante em Copacabana do cantor Ivon Curi) e, depois, em shows de música brasileira que correram 23 países. Mas nem isso ou a glória de ter aparecido na TV, de ter tocado no Canecão e no Olympia de Paris e de ter dividido a cena com Roberto Carlos deram a Índio da Cuíca a chance de realizar o sonho do disco solo. Algo que acontece somente no próximo dia 5 — seu aniversário de 70 anos —, com o lançamento em plataformas de streaming de “Malandro 5 estrelas”.
— Índio é o nome que eu tenho mais afinidade — esclarece o artista (que nasceu no Morro dos Afonsos, na Tijuca, e foi batizado de Francisco) sobre a alcunha que ganhou, por causa do cabelo liso de adolescente. — Eu nem nasci no hospital, foi debaixo de uns bambuzais. Minha mãe estava subindo o morro e não aguentou chegar em casa. Meu pai teve que descer com um lençol branco.
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Seu Manoel, o pai de Índio, tocava cavaquinho, cantava e compunha para a Unidos da Tijuca, além de participar de muitas serestas. Foi por suas mãos que o filho desfilou pela primeira vez no carnaval, no Império da Tijuca, aos 12 anos, como pandeirista — com direito a prêmio.
— Mas a escola não me deu o troféu, porque tinha que ter tido permissão do juizado de menores para eu sair na escola. Aí eu nunca mais quis sair em escola de samba, e não saí até hoje. Vi que aquele não era o mundo... meu mundo é palco — conta Índio, que aos 17 já estava tocando na noite e logo depois foi parar na TV Globo, no lugar do amigo Neném da Cuíca, que não pôde cumprir uma data. — Peguei a cuíca e comecei a solar “Brasileirinho”, “Cidade Maravilhosa”... Quando vi, era um destaque. Comecei a sambar com a cuíca, a fazer um monte de coisa.
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Os trabalhos, a partir daí, foram muitos. Índio participou de programas como “Globo de Ouro” e “Brasil Especial”, e gravou em 1972 pela Som Livre um disco com o Brasil Ritmo, grupo que tinha com Neném. Viajou a bordo dos espetáculos de Ivon Curi e Jair Rodrigues, figurou em shows de Roberto Carlos e Alcione e correu o mundo em companhias artísticas lideradas por Joãosinho Trinta e por Haroldo Costa. Por três anos e meio, viveu na Suíça, e aí voltou para o Rio para se casar com sua paixão, Shirley, com quem está junto há 35 anos.
— A lembrança que eu tenho é a de um cara talentoso que tirava os sons menos convencionais de uma cuíca — diz o pesquisador Haroldo Costa, que esteve com Índio em uma turnê que passou por Costa Rica, Honduras e Nicarágua entre abril e maio de 1987.
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Entre tintas
A história de “Malandro 5 estrelas” começou em 2005, quando o percussionista Paulinho Bicolor tomou conhecimento de Índio num espetáculo da Orquestra de Solistas na Sala Cecilia Meireles. Cinco anos depois, já como pesquisador à frente do blog Cuiqueiros, ele o encontrou por acaso na estação de trem de Cordovil. E marcou uma primeira entrevista, na qual o mestre da cuíca revelou o sonho de gravar um disco. Nos últimos anos, foi Paulinho quem cuidou de produzir esse disco, ao lado de Bernardo Oliveira, do QTV. Enquanto isso, vendo o trabalho com música minguar, Índio foi em busca do sustento como pintor de paredes — ofício aprendido no ano que passou nos EUA.
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Para Paulinho Bicolor, mais do que a afeição pelo mestre foi a dívida da cultura brasileira com Índio da Cuíca que o moveu na realização de “Malandro 5 estrelas”:
— Ele leva a cuíca para outro lugar, como um instrumento melódico, solista à máxima potência. Índio dedilha a cuíca, toca como se houvesse teclas na pele da cuíca. E ela não é para isso. Ele explora esse paradoxo.