MANELÃO - PERSONAGEM FOLCLÓRICA E POPULAR TERESINENSE
Raimundo Floriano
(Fonte: Google)
Manelão
Avião roncador
Morei em Teresina, como estudante, de fevereiro de 1950 a fevereiro de 1957. Naquela época, chamaram-me a atenção duas figuras populares, a Lazarina e o Manelão (ou Avião), assíduos frequentadores da Praça Pedro II, em frente ao Cine Theatro 4 de Setembro e ao Cine Rex, point noturno da cidade.
Lazarina parece que tinha problemas com as faculdades mentais. Era morena, alta, magra, e sua cabeleira era bem curta, quase cortada rente a crânio. Por isso, a molecada em frente aos cinemas, gostava de atormentá-la, gritando: É HOMEM! É HOMEM! Ao que ela, reagindo, levantava a saia – sem calcinha – e exibi seu verdadeiro sexo.
Manelão (Avião) não sofria do juízo. Tinha essa alcunha por imitar perfeitamente o ronco dos aviões – naquele tempo, as aeronaves roncavam, diferentemente das modernas, que só fazem um chiado quase inaudível. Além disso, contava trepidantes episódios de mocinho e bandido, nos quais ele era o herói e nos quais sempre havia um avião pousando ou decolando.
A História da Lazarina já foi contada neste ALMANAQUE, no dia 04.05.2024, quando reproduzi crônica do amigo teresinense João Emílio Falcão Costa Filho, jornalista e funcionário do Senado Federal, constante de seu livro Aleluia, Componente da Coleção Machado de Assis - SF, lançado em 1977.
Mas... e do Manelão, ficou algum registro de sua existência? De como ele foi muito representativo do cenário teresinense de outrora.
(Garimpando no Google, encontrei o importante depoimento que adiante reproduzo, datado de 05.12.2021, de autoria de Magno Pires, Diretor-geral do Instituto de Águas e Esgotos do Piauí, Ex-secretário de Administração do Piauí, Ex-presidente da Fundação CEPRO, Advogado da União (aposentado), professor, jornalista e Ex-Advogado da Cia. Antárctica Paulista (hoje AMBEV), por 32 anos consecutivos.)
MANELÃO
Magno Pires
Manelão gostava mesmo era de furtar, de aviões e da bicicleta.
A existência de Manelão, nas ruas centrais de Teresina, era uma realidade. Todos o conheciam ou ouviram falar nele e em suas peripécias durante a noite nas casas das pessoas.
O Manelão era um indivíduo muito agradável. Dava-se com todos. Muito delicado no trato. E gostava de conversar com as pessoas, ainda que fosse a sua próxima vítima.
E porque era dado, agradável e delicado, muitos não acreditavam que fosse capaz de subtrair os pertences das pessoas, em suas casas, à noite, porém, também praticava os seus pequenos roubos pela manhã.
Manelão era apaixonado por aviões. E sempre fazia gestos e barulhos idênticos aos de aviões. Gesticulava os braços e emitia os sons comparáveis aos de qualquer avião.
Possuía uma quantidade enorme de brinquedos, notadamente aviões. E este eram guardados com maior cuidado. Os brinquedos que representavam os aviões, apenas Manelão brincava, e nenhum amigo e irmão pegava o aviãozinho.
Evidente que entre aqueles brinquedos de avião existiam alguns que eram roubados, mas ninguém queria de volta o avião surrupiado.
Todos os vizinhos suspeitavam dessa prática de Manelão, entretanto, ninguém ousava retirar o brinquedo. Manelão ia para cima, criando uma briga grandiosa e ele protestava que jamais havia pego o aviãozinho do amigo do vizinho.
E o avião era mesmo do filho do amigo do vizinho. Estava marcado a ferro com a marca do filho. Contudo, para acalmar os ânimos, o pai desconsiderou tudo e foi para casa. E de lá, seguiu para o comércio, foi adquirir outro aviãozinho para o filho, que estava inconsolável devido ao ato do Manelão.
O Manelão não podia ver um avião no ar de Teresina, taxiando para descer no aeroporto, porque abandonava tudo, inclusive os amigos da noite, para presenciar a descida do aparelho voador. E ficava até ver o avião parar no aeroporto.
O Manelão também criava algumas galinhas. E produzia ovos para vender. Era um galinheiro com mais de 50 galináceas. Mas era um disfarce para chegar às casas à noite.
Ele, Manelão, procurava fazer amizade para acercar-se da próxima vítima, mas prestava-se a fazer favores, até realizar o procedimento para roubar o objeto desejado.
Ele possuía uma bicicleta, que deixava na entrada da casa que tomou como morada. O imóvel estava abandonado, mas ninguém levava bicicleta, com receio dele. Era violento quando tiravam qualquer objeto de sua posse. E nada era dele. Tudo objeto de furto.
Nem sequer a Polícia Militar e Civil o incomodavam. Deixavam ele à vontade porque era muito pior prendê-lo lhe dar umas palmadas. Gritava que ninguém batia nele. Dizia-se inimputável.
E falava: tenho a mesma condição dos índios que, embora praticando roubos e furtos, e negociando animais silvestres com os ONCs internacionais e brasileiros não podem ser presos.
E os índios do Maranhão, que vivem em Timon, gostam muito de mim. Sempre dou para eles brinquedos velhos, que não quero mais, cachaça e tiquira. E, assim, eles me adoram. Alguns deles já dormiram até aqui comigo.
Os índios são amáveis, embora brutos desde que nasceram. Vivem nas matas. Não têm contato com o homem branco. Não há liderança e/ou integração social, por isso, faltam-lhes habilidade e serenidade para conversas com outros grupos sociais.
Manelão gostava mesmo era de furtar, de aviões e da bicicleta.