Atriz desde os 4 anos, Maytê Piragibe vive um momento de multiplicidade. Aos 36, a carioca em breve se tornará produtora audiovisual e também concilia os compromissos de apresentadora de TV com a recente atividade de produtora rural. Numa fazenda na Serra da Bocaina, em São Paulo, ela e a mãe trabalham com extração de óleos essenciais e difundem a aromaterapia. O projeto está conectado a outras escolhas que ela tem feito com foco no propósito social. Na quarentena, por exemplo, Maytê protagonizou o curta "Lockdown", sobre violência doméstica.
— Foi muito delicado entrar em contato com esse assunto. Sou uma mãe solo, independente, solteira há sete anos. E, óbvio, muito atenta à sexta onda feminista que a gente vive. Soubemos que a pandemia aumentou os índices de violência doméstica, feminicídio... Nosso país é o quinto do mundo que mais mata mulheres. Escolher temas assim para trabalhar está dentro do que quero proporcionar, quero acessar minhas dores como mulher. A grande maioria de nós já viveu ou vive um relacionamento abusivo, seja com seu parceiro, seja no ambiente profissional. Isso é delicado porque é estrutural, antigo. Então, para mim, quando veio o projeto logo topei. Doei meu cachê para participar. E o que mais chegar vai ser repassado ao Instituto Marielle Franco. Também apoio uma ONG chamada "Vamos utopiar", que auxilia mulheres que sofrem violência doméstica e age pelo empoderamento delas — explica.
Dona também de um canal no YouTube, ela diz que direciona seus conteúdos para seu público-alvo:
— Gero conteúdo há dez anos e recentemente fiz estudos que mostraram que são muitas mulheres ali me assistindo. Elas têm sede de liberdade, autenticidade... E a pandemia me trouxe a vontade de inspirar essas pessoas, dizer: "Disque, denuncie, eu já passei por isso". É trazer a arte como ativismo político e amparo social. Graças a Deus nunca sofri violência física, do tipo que tem efeito na Lei Maria da Penha, mas as relações abusivas estão subliminares ao longo da nossa existência. Isso é repetido e padronizado com namorados possessivos, com amigos que colocam em dúvida sua autoestima. Por ora não quero falar tanto da minha dor. Houve o movimento de muitas atrizes (veja na galeria abaixo), uma iniciativa linda de se colocar, de se vulnerabilizar, mas ainda não me sinto confortável em trazer a minha cicatriz ao mundo, e sim soluções criativas. Seja com o filme, acolhendo uma ONG. Porque toda mulher sofre ou já sofreu relação abusiva. É um machismo estrutural e um silenciamento muito grandes. Só que, claro, tem níveis e níveis. Quero olhar para como posso ajudar e dar a mão para outra.
No início deste mês, Maytê compartilhou uma foto de sua família: ela e a filha, Violeta, de 10 aons. Na legenda, uma declaração que destaca a sororidade, a quebra de padrões e a maternidade solo. Ela explica:
— Eu acho tão bonito conseguir fazer essa observação... Eu só consegui me apropriar dessa independência, dessa capacidade, quando entendi que não faz sentido a pressão cultural, moral e religiosa que prega que, para ter uma família, você precisa ter um homem, a mulher tirar seu sobrenome, colocar o dele... E a validação chegar após você entrar nesse modelo. A outra pressão grande é de que uma mulher não pode ser feliz se não tiver um namoro. Estou há sete anos nessa peregrinação e não achei o companheiro do tamanho do que eu aguardo e espero deste encontro. Não aconteceu essa troca e esse comprometimento de ambas as partes.
Maytê explica que não deixa de lado seus valores e suas premissas básicas por relações que não a agradem plenamente:
— Sou uma mulher monogâmica, muito família. Sou forte, independente. Não vivo hipocrisias. Em vez disso, prefiro viver a minha liberdade e deixar as pessoas soltas na sua conduta, nas suas escolhas e nos seus desejos. Quando comecei a perceber que existia a pressão do casamento e a pressão de que estar solteira há muito tempo indicava "ter algo errado", me voltei ao meu núcleo. E pergunto: "Como assim não achei ninguém?". Estou em mim, me encontrando, percebendo o que me faz bem, o que preciso abastecer em mim. Não preciso da validação do sexo oposto nem um título de compromisso para validar que sou capaz de ter autonomia, de alcançar prazer pessoal, independência financeira, ser bem-resolvida, realizada. Assim reconhecemos a nossa história. E a minha, claro, tem um monte de cicatriz, desafios. Enquanto eu não me apropriar, validar e me amar, não adianta. Tenho minha mãe, meu pai, meus sobrinhos, meus amigos de alma. É extremante importante me voltar para mim.
Debruçar-se nos planos para si também inspira Maytê profissionalmente. Ela recentemente preparou o piloto de um novo programa para o Canal Like, onde já apresenta uma atração ao lado do ator Hugo Bonemer:
— A gente estimula o público a sair e experimentar o audiovisual. É um canal que dá boas dicas como bons amigos. Estamos conduzindo a elaboração de um piloto com um tema que não foi abordado com profundidade e, desta vez, com convidados.