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Equipe que comandou a investigação: a Polícia Civil do DF investigou 15 pessoas pelo sequestro, mas não conseguiu identificar o autor
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Dezessete anos após o desfecho do caso Pedrinho, levado ainda recém-nascido da maternidade do Hospital Santa Lúcia, Brasília tornou-se cenário de história similar as do sequestro de maior repercussão no país. Aos 56 anos, a moradora da capital Sueli Gomes da Silva descobriu o paradeiro do filho, levado de seus braços há 38 anos, na porta do Hospital Regional do Gama.
Depois de quase quatro décadas com a esperança de encontrá-lo, a funcionária pública o viu pela primeira vez na última quarta-feira, em uma chamada de vídeo. “Eu ficava olhando para ele e ele para mim. Foi uma coisa mágica, maravilhosa!”, contou, emocionada. O primeiro encontro cara a cara deve acontecer na próxima semana, em território candango.
Órfã de mãe e abandonada pelo pai com quatro irmãs e um irmão, Sueli morava, à época, em um orfanato localizado em Corumbá de Goiás, a 125km de Brasília. Na instituição, sofreu abusos sexuais e, apesar de reportá-los aos superiores do abrigo, não recebeu ajuda. Em um ambiente de vulnerabilidade, agravado pela dependência financeira, Sueli ficou grávida, em um relacionamento consensual.
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"Foi um processo bem doloroso e longo, cheguei a ficar na dúvida se era ele mesmo, apesar de todas as outras provas. Mas, com o exame, foi só alegria"
Sueli Gomes da Silva, a mãe
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A maior angústia de sua vida começou em 11 de fevereiro de 1981, dois dias após o parto do filho, que batizaria de Luís Miguel. Com 16 anos, Sueli deixou o centro de saúde ao lado de dois funcionários do orfanato — um homem e uma mulher. A moça sugeriu que ela fosse ao orelhão mais próximo e ligasse para a proprietária do abrigo, identificada como Marta, para avisá-la. No meio tempo, disse que seguraria o bebê.
Na ligação, a dona do orfanato adotou tom ríspido. Disse que a criança não poderia ficar no abrigo. Quando desligou o telefone e voltou ao ponto de encontro, Sueli viu que a mulher não estava mais com seu filho. Ouviu ordens para que esquecesse do menino e ficasse calada. Sem ter a quem recorrer, ela permaneceu em silêncio e trabalhou no orfanato por mais de 20 anos.
Apenas em 2013, após a morte da dona do orfanato e com liberdade financeira, Sueli tomou coragem para contar a história à polícia, em uma carta escrita a próprio punho. “Ela já havia sofrido abusos sexuais e passado por muitas dificuldades no abrigo, e resolveu expor isso em um relato pessoal bem emocionado”, diz o responsável pela investigação, o delegado Murilo Freitas, da 14° Delegacia de Polícia (Gama).
Investigação
Ao longo de seis anos, a Polícia Civil investigou 15 pessoas pelo sequestro. “Em uma análise superficial, percebemos que muitos dos crimes apontados não seriam mais alcançáveis pela lei. Principalmente devido à prescrição penal, pois estamos falando de algo que aconteceu há quase quatro décadas e, também, por conta da morte dos autores intelectuais de toda essa trama”, explicou Murilo Freitas. “Além disso, o crime ocorreu em uma época em que não havia registros eletrônicos, então, tivemos que acessar muitos arquivos físicos”, acrescentou o delegado.
Entre os suspeitos, estava um porteiro identificado como Rafael. Ele trabalhou no prédio onde morava o médico responsável pelo parto de Luís Miguel. Ao fim de 2018, os policiais souberam do óbito de uma mulher de 71 anos apontada com sua esposa. Em meio a investigação, descobriu-se que ela estava no Gama à época do rapto. Os dois tinham um filho de 38 anos, registrado como Ricardo Santos Araújo.
Como no caso Pedrinho, uma anomalia auxiliou os investigadores no processo de identificação. À Polícia Civil, Sueli contou que o filho havia nascido com sindactilia, condição que deixa os dedos dos pés ou das mãos colados. “Quando entramos em contato, o rapaz confirmou que nasceu assim e realizou uma cirurgia nas mãos”, detalhou o delegado.
Com todas as coincidências, faltava apenas um exame de DNA para confirmar o caso. O teste ficou pronto na última terça-feira. “Vi o resultado e fiquei em êxtase! Porque, como foi um processo bem doloroso e longo, cheguei a ficar na dúvida se era ele mesmo, apesar de todas as outras provas. Mas, com o exame, foi só alegria, fiquei ainda mais maravilhada”, comemorou Sueli.
Arquivamento
Os autores do crime não responderão na Justiça pelo sequestro. O inquérito deve ser arquivado por diversas razões. Por exemplo, não se sabe ao certo quem foi a pessoa que levou Luís, quando ele era ainda bebê. Além disso, a pessoa apontada pela apuração como responsável pelo sequestro, a funcionária do abrigo, morreu.
Murilo Freitas explicou que podem ser apontados os crimes de subtração de incapaz e de registro de filho de outro como se fosse próprio. “Mas existe uma particularidade determinante. Houve uma alteração legislativa em março de 1981. O crime ocorreu um mês antes dela, e a lei não retroage para atingir fatos que não eram criminalizados à época”, comentou.
Encontro
Na primeira conversa após anos de angústia, Sueli descobriu que Luis Miguel, registrado como Ricardo, tornou-se corretor de imóveis e mora na Paraíba. “É bonito que nem a mãe”, brincou Sueli. Ele está fazendo um curso em João Pessoa. Ontem, ela estava em Goiânia, a trabalho.
Desde 11 de fevereiro de 1981, quando teve o filho tirado de seus braços, Sueli sonhava com a oportunidade de vê-lo. Em alguns momentos, revelou, chegou a desanimar. Mas “a esperança de mãe não morre nunca”, afirmou. Os dois devem se encontrar, na próxima semana, em Brasília.
Linha do tempo
1981
Com dois dias de vida, em 11 de fevereiro, Luís Miguel é levado dos braços da mãe, Sueli Gomes da Silva, na porta do Hospital Regional do Gama.
2013
Após a morte da dona do orfanato onde Sueli morava, e com liberdade financeira, ela tomou coragem para contar a história à polícia, em uma carta.
2019
Por meio de um exame de DNA, concluído na última terça-feira, a Polícia Civil do DF pôde afirmar que um corretor de imóveis, morador da Paraíba, é o filho de Sueli.