Leia a entrevista com a ialorixá Mãe Meninazinha de Oxum:
Mais de 300 filhos de santo integram hoje o Ilê Axé Omolu e Oxum, no bairro São Mateus, em São João de Meriti, na Baixada Fluminense. Além da função religiosa, a atuação da ialorixá Mãe Meninazinha de Oxum extrapola os limites físicos do terreiro, fundado há 52 anos. Com atendimento para a comunidade do entorno, a casa de santo assume sua função social.
Aos 82 anos, Mãe Meninazinha, que completou 60 de feitura de santo no último dia 10, acredita na importância de participar de movimentos sociais. Além de conselheira da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (Renafro), ela é um das principais expoentes da campanha "Liberte o Nosso Sagrado", que reivindica a liberação dos objetos religiosos
CELINA: Quais são os projetos sociais que o Ilê Axé Omolu e Oxum tem desenvolvido nesses anos?
MÃE MENINAZINHA DE OXUM: Somos Ponto de Cultura, promovemos cursos e oficinas de artesanato, culinária, corte e costura, distribuímos cestas básicas. A gente tem terreiro e atende as pessoas pelo lado religioso, mas é importante que nesse espaço a gente também cuide das pessoas que precisam, independentemente da religião. Quando alguém bate na nossa porta, é importante ajudar.
Como tem sido a participação do Ilê Axé Omolu e Oxum no Renafro?
Sou conselheira desde a fundação do Renafro, em 2003. O Renafro valoriza e potencializa o saber dos terreiros em relação à saúde. É uma rede muito importante para os povos de terreiro. A gente se reúne e fala para todos os filhos da casa e de outras casas sobre a importância de cuidar da saúde. Tem muita gente que não vai ao médico. Fazemos conscientização com presença do profissional, os médicos participam, explicam e muita gente sai mais consciente.
Como e quando a senhora começou na campanha "Liberte o Nosso Sagrado"?
Tem mais de 20 anos. É que eu ouvia minha avó (materna, a ialorixá baiana Davina, Mãe Dadá de Omolu) e outros mais velhos conversando sobre "nossas coisas que estão nas mãos da polícia." Cresci ouvindo isso, e parece que ficou dentro da minha cabeça, do meu coração, dentro de mim. Eu me perguntava: "Que coisas são essas que elas não tiveram oportunidade de ver?". Falava com um, com outro, até que, graças a Deus, consegui. Fui até o museu para ver as coisas, que são o nosso sagrado. Começamos com essa campanha que não é minha. É nossa, é da religião. Outras pessoas e casas passaram a integrar e estamos tendo um retorno.
Como combater a intolerância religiosa atualmente?
A primeira coisa que tem de ser feita, quando a pessoa é vitima, é ir à delegacia, porque temos o direito de professar nossa religião. Não gosto do termo intolerância, porque não temos de ser tolerados mas, sim, respeitados. Estamos trabalhando contra o desrespeito. Quando um terreiro participa de algum movimento social, ele se fortalece conta o desrespeito.
A senhora completou 60 anos da feitura de santo no último dia 10 de julho. Como foi celebrar esta data em isolamento social?
Estava programando festa, estava tudo pronto. Só faltava fazer comida e tocar o candomblé. Mas como tudo é como Deus quer, ano que vem, espero em Deus fazer a festa de 60 anos com 61, se Deus e os orixás permitirem. Por causa da pandemia, as atividades religiosas pararam. Nesse período, aprendi a fazer artesanato. Comecei a colocar em prática os cursos que tinha feito. Agora estou reciclando garrafas, latas. Eu estou gostando. Se não fizesse isso, não sei o que seria de mim. Só não estou gostando dessa situação que a gente está vivendo. A terra está doente. Tenho pedido a Deus, aos orixás, caboclos, pretos velhos que tenham piedade do mundo. E não quero ninguém na minha casa. Vou fazer 83 anos, tenho que preservar a mim e às pessoas também.