Eu havia acabado de sair de casa. Caminhava até um restaurante self-service que fica a duas quadras do nosso apartamento em Fortaleza, quando fui abordado por uma mulher, que carregava uma criança nos braços. Perguntou onde seria o ponto de ônibus mais próximo.
Indiquei a direção e a fiquei observando se afastar. Devia ter pouco mais de trinta anos. O menino parecia ter uns dois anos de idade, talvez mais. Grande demais para ser carregado no colo, o que me levou a pensar que estivesse doente.
As roupas, tanto da mulher como da criança, não pareciam as comuns de ficar em casa. “É isso mesmo” — pensei — “a mãe deve ter levado o filho ao médico, cedo da manhã, agora estão voltando para casa”.
Trabalho pesado locomover-se suportando o peso daquele menino, sob o sol de quase meio dia.
Enquanto acompanhava aquela jovem mãe com o olhar, lembrei de outra mulher, que conheci há muitos anos.
Naquela época, seus dois filhos eram pequenos. Quando o mais velho estava com pouco mais que cinco anos de idade, o mais novo, que tinha menos de dois, teve poliomielite, empurrando aquela mãe para verdadeira peregrinação por postos de saúde e hospitais públicos em busca de tratamento para o menino.
Depois de inúmeras idas e vindas, consultas, exames e madrugadas na porta de hospitais, em busca de atendimento, ela conseguiu marcar uma cirurgia para o filho. Mas o método que seria adotado pelo cirurgião ainda não tinha eficácia comprovada pela literatura médica. Por causa disso, ela teria que assinar um termo de responsabilidade, para o caso de alguma coisa dar errado.
A mulher enfrentou resistência família. Amigos e parentes a aconselharam a não assinar o termo. Mas ela assinou.
Acreditou na medicina. Mas, talvez por acreditar mais em Deus que nos homens, recorreu também à novena de Santa Teresinha do Menino Jesus. Fez as orações, ganhou uma rosa no oitavo dia e encheu-se de esperança.
Hospitais, cirurgias, sessões de fisioterapia e meses de expectativa passaram a fazer parte da vida daquela mulher. Ao final de meses, em um período que não se sabe ao certo quanto tempo durou, a recompensa pelo esforço: o menino voltou a andar.
Seis anos depois de ter contraído a doença, ele já corria com os colegas da escola na hora do recreio. Não era tão rápido quanto os outros meninos, mas corria. Claudicava, tropeçava, caía, mas seguia em frente. A mãe sempre lhe dizendo: “Cada um caminha com as pernas que tem”.
Um detalhe não pode ser esquecido: durante todo o período em que essa mulher lutava pela saúde do filho caçula, cuidava para que ele o irmão continuassem frequentando a escola. Para ela, não havia obstáculo que justificasse uma criança parar de estudar.
O marido a ajudou nessa luta para cuidar dos filhos e educá-los, é verdade. Alguns de seus irmãos e irmãs também ajudaram. Mas, sendo esta uma crônica escrita para o Dia das Mães, a protagonista da história é essa mulher, que dedicou uma vida inteira à família.
Na difícil tarefa de mãe, nunca levantou a voz para repreender os filhos, nunca os pôs de castigo, nem muito menos bateu neles. Ao invés de dizer “não faça isso”, ela sempre preferiu perguntar “você acha certo fazer isso?”. Onde muitos diriam “isso não é possível”, perguntava: “você quer tentar?”.
Passaram-se os anos. Seus filhos hoje são adultos. O mais velho formou-se em odontologia, fez mestrado e doutorado. Hoje é professor da Universidade Federal do Ceará, um profissional respeitado no país inteiro. O mais novo — aquele da poliomielite — formou-se em Direito, fez mestrado e tornou-se juiz federal e escritor.
Com os “meninos” encaminhados na vida, ela finalmente achou espaço para si mesma. Já na chamada terceira idade, realizou dois desejos com os quais sonhara a vida inteira: fazer faculdade de Teologia e aprender a andar de bicicleta.
Após a realização desses desejos, alfabetizou e contribuiu para a formação de dezenas de crianças. Sem fazer alarde, em sua própria casa, onde improvisava uma sala de aula e dava gratuitamente aulas de reforço escolar.
Hoje, essa mulher leva uma vida tranquila, com a serenidade de quem fez a sua parte para tornar nosso planeta um lugar melhor para se viver.
O nome dessa mulher vencedora é Ivonete. Ou simplesmente Neta, como sempre preferiram os seus irmãos, as suas irmãs e o seu falecido marido.
Eu e meu irmão, Materson, temos nosso próprio jeito de chamá-la. Chamamos simplesmente de Mamãe.
E, na hora de escrever, é assim mesmo que o fazemos: com M maiúsculo.
(*) Escrevi essa crônica em 2014. Hoje, véspera dos Dia das Mães de 2020, estando longe da minha mãe, sem poder ir vê-la, por causa da pandemia do corona vírus, resolvi atualizar alguns pontos do texto e publicá-la novamente.