RODRIGO CRAVEIRO
Publicação: 11/01/2019 04:00
Acompanhado da primeira-dama, Cilia Flores, e do presidente do TSJ, Maikel Moreno (D), Maduro chega à solenidade de juramento, em Caracas
|
Contra quase tudo e todos, e na presença de apenas cinco chefes de Estado, Nicolás Maduro prestou juramento ante o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) para o segundo mandato, previsto para se encerrar em 2025. Em seu discurso de posse, o presidente venezuelano adotou um tom beligerante e, ao mesmo tempo, cordial. Atacou a oposição e pediu a realização de uma cúpula de líderes da América Latina e do Caribe para “discutir com uma agenda aberta todas as questões a serem discutidas, face a face”. O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, e os Estados Unidos foram alvos. “A direita venezuelana infectou, com o seu facismo, a direita latino-americana. Vejamos o caso do Brasil, com o surgimento de um fascista como Jair Bolsonaro”, declarou. Minutos depois de Maduro ser empossado por Maikel Moreno, presidente do TSJ, a comunidade internacional protagonizou uma reação em cadeia.
Em nota divulgada na noite de ontem, o Ministério das Relações Exteriores brasileiro qualificou de “ilegítimo” o novo mandato. “O Brasil reafirma seu pleno apoio à Assembleia Nacional (AN), órgão constitucional democraticamente eleito, ao qual neste momento incumbe a autoridade executiva na Venezuela. (...) O Brasil confirma seu compromisso de continuar trabalhando para a restauração da democracia e do Estado de direito na Venezuela”, afirma o texto.
A medida mais drástica foi anunciada pelo Paraguai. “O governo da República do Paraguai, no exercício de suas atribuições constitucionais e da soberania nacional, adota, hoje, a decisão de romper relações diplomáticas com a República Bolivariana da Venezuela”, afirmou o presidente Mario Abdo Benítez, cercado por assessores. “Nesse sentido, ordenei o fechamento de nossa embaixada e a imediata retirada do corpo diplomático paraguaio acredito naquele país. Faço um chamado aos países amigos da democracia e da liberdade para que se expressem com ações concretas.”
Por 19 votos a favor (inclusive do Brasil), seis contra, oito abstenções e uma ausência, a Organização dos Estados Americanos (OEA) aprovou resolução em que declara a ilegitimidade do segundo mandato de Maduro. O texto faz um apelo à “realização de novas eleições presidenciais com todas as garantias necessárias para um processo livre, justo, transparente e legítimo”. O Peru convocou para consultas a encarregada de negócios na Venezuela, Rosa Álvarez. O conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, John Bolton, anunciou que a Casa Branca intensificará “sua pressão sobre o regime corrupto” venezuelano e prometeu apoio à Assembleia. A União Europeia explicou que “tomará as medidas adequadas”, caso a situação na Venezuela se agrave.
Vice-presidente
Edgar Zambrano — primeiro vice-presidente da Assembleia Nacional da Venezuela — elogiou a postura dos países latino-americanos e da UE, “ao proclamarem o tom sonoro dos venezuelanos”. “É notório o fracasso de um modelo político refletido em desastrosas políticas públicas que destuíram a qualidade de vida dos venezuelanos. Por aqui, viola-se, sistematicamente, os direitos fundamentais e as garantias constitucionais. Uma sociedade com presos políticos civis e militares mostra abuso de poder. É um governo que altera a geopolítica regional. Por isso, as reações dos governos em defesa da democracia”, disse ao Correio.
De acordo com Zambrano, a posse simbólica do presidente da AN, Juan Guaidó, seria impossível sem o aval das Forças Armadas. Em ato na Academia Militar, ante 4.900 oficiais, o ministro da Defesa, general Vladimir Padrino, perguntou: “Juram reafirmar a lealdade e subordinação absoluta?” “Juramos”, responderam.
Williams D’Ávila, deputado da AN pelo partido Acción Democrática, admitiu à reportagem que os venezuelanos estão “diante de uma tirania”. “O último reduto da democracia, a Assembleia, é uma pedra no sapato de Maduro. Creio que ele acentuará a tirania. Pode fechar a Assembleia.”
Antonio Ledezma, ex-prefeito de Caracas e preso político que se exilou em Madri, espera cascata de “desprendimento” de países democráticos no cerco a Maduro. “Os países acompanharão a OEA e ratificarão o desprezo pelo governo”, afirmou ao Correio.
Eu acho...
“A Assembleia Nacional articulará o clamor social, lhe dará forma e o conduzirá, nos termos da Constituição. Nós evitaremos, a todo custo, um enfrentamento do povo contra o povo, uma guerra civil que encheria de luto a nação ante a violência do Estado.”
Edgar Zambrano, primeiro vice-presidente da Assembleia Nacional da Venezuela
Manifestação em Brasília
No exato momento em que Nicolás Maduro era empossado para o segundo mandato, um grupo de venezuelanos realizava um protesto diante do Palácio do Itamaraty. “Brasil, obrigado pelo apoio ao povo venezuelano”, “Maduro ilegítimo” e “S.O.S Venezuela. Não nos deixem sozinhos” eram as frases nos cartazes ostentados pelos manifestantes. Alberto Palombo, coordenador do movimento Soy Venezuela, no Brasil, contou ao Correio que a declaração do Grupo de Lima, na semana passada, marcou o mapa do caminho para lidar com a crise. “A intenção não foi somente agradecer ao governo brasileiro por sua posição, mas também pedir ao Brasil e a outras nações para que não deixem sozinhas as instituições legitimamente constituídas na Venezuela — a Assembleia Nacional e o Tribunal Supremo de Justiça no exílio”, afirmou. “A Assembleia é o último poder escolhido pelo voto popular nas eleições de 2015.” Segundo Palombo, os manifestantes entregaram ao presidente Jair Bolsonaro e ao chanceler Ernesto Araújo um documento no qual pedem pressão efetiva sobre o regime de Nicolás Maduro e a proteção a um processo de transição democrática no país.