RODRIGO CRAVEIRO
Publicação: 19/09/2018 04:00
Em rede nacional de televisão, o presidente prometeu retornar a Istambul: %u201CAgora, me chamam de sultão%u201D |
O chef turco Salt Bae corta pedaços suculentos de chuleta de cordeiro... |
...e serve Maduro, que fuma charutos retirados de caixa com seu nome |
Seguranças armados com fuzis mantêm guarda na porta da churrascaria |
Cerca de 18 milhões de venezuelanos — 61% da população — vivem na extrema pobreza e perderam, em média, 11,7kg no ano passado. Presidiários têm se alimentado de ratazanas para driblar a fome. Em 2017, apenas 39,9% das famílias conseguiram comprar carne. A crise econômica e humanitária sem precedentes no país levou à fuga massiva para nações vizinhas. Em meio a esse contexto, dois vídeos gravados recentemente no restaurante Nusret-Et, em Istambul, mostram o presidente Nicolás Maduro se deliciando em um banquete regado a chuletas de cordeiro e fumando charutos. “Cilia, isso é somente uma vez na vida. Verdade?”, brinca Maduro, enquanto Nusret Gökçe (ou Salt Bae), chef turco e proprietário da churrascaria, corta pedaços da carne diante do chefe de Estado e de Cilia Flores, a primeira-dama. Em outra gravação, Maduro fuma charutos retirados de uma caixa estilizada com o seu nome e admira uma camiseta com a caricatura de Salt Bae.
As imagens semearam revolta na Venezuela e obrigaram o chef a retirar do Instagram vídeos, além de fotos nas quais posava com Maduro. Deputado da Assembleia Nacional Venezuelana e líder opositor acusado pelo Palácio de Miraflores de participação em um atentado contra o presidente, Julio Borges divulgou a gravação, em sua página no Twitter. “Enquanto os venezuelanos sofrem e morrem de fome, Nicolás Maduro e Cilia Flores desfrutam de um dos restaurantes mais caros do mundo, todo isso às custas do dinheiro roubado do povo venezuelano”, escreveu.
O partido Voluntad Popular, do também dirigente da oposição Leopoldo López (em prisão domiciliar), também externou sua indignação e exibiu um vídeo em que confronta as imagens de Maduro na Turquia e a situação de penúria na Venezuela. “Enquanto Maduro oferece a si mesmo banquetes e leva uma vida de luxo, comendo carne nos restaurantes mais caros do mundo, nós, venezuelanos, fazemos milagre para comer. Não há comida, não há medicamentos e #Madurosefartacomteudinheiro”, afirma a legenda no Twitter, ao replicar uma hashtag que viralizou.
Saudações
Na noite de segunda-feira, em pronunciamento no Palácio de Miraflores, Maduro confirmou que, ao retornar da visita oficial à China, fez uma “parada técnica” em Istambul. “Eu atendi a um convite para visitar o Centro Histórico de Istambul e almoçar com autoridades. (…) Nós compartilhamos de um restaurante famoso, o Nusret. Envio uma saudação ao Nusret. (…) Um homem muito simpático, ama a Venezuela.”
Ele voltou a abordar a passagem pela Turquia, ontem, em rede nacional de televisão. “Logo retornarei a Istambul. Fiz um tour em um museu lá e me sentei na cadeira de um sultão. Agora, eles me chamam de sultão Maduro”, brincou. Ele revelou que avalia se comparecerá à Assembleia Geral da ONU, no fim do mês, por temer planos para matá-lo. Também denunciou que um general reformado da Força Armada venezuelana conspira dos EUA e da República Dominicana.
Por telefone, o médico Juan Guillermo Requesens Gruber, pai do deputado e preso político Juan Requesens, classificou de “escárnio total” o gesto de Maduro. “Aqui, não se consegue carne. Quando se pode obtê-la, é preciso arcar com preços elevadíssimos. Esses senhores se fartam em banquete com o dinheiro público, enquanto o povo passa penúria, sem acesso à alimentação adequada e sem medicamentos”, lamentou ao Correio. Ele contou que não vê o filho desde 7 de agosto, quando Juan foi detido. “Há 42 dias, não sabemos de Juan. Também não permitiram que advogados o visitassem. O regime é responsável pelo que ocorrer ao meu filho, que cumpre um regime dietético especial”, avisou.
Em Madri, onde se encontra exilado, o ex-prefeito de Caracas Antonio Ledezma disse à reportagem que o impacto das imagens de Maduro é “demolidor”. “O povo não tem comida, nem remédios. Enquanto isso, Maduro passeia em jatinhos, desfruta de banquetes e é protegido por dezenas de guarda-costas. As pessoas entendem que a desgraça enfrentada por elas é consequência das arbitrariedades do poder. Existe uma catástrofe que justifica a ativação do princípio de intervenção humanitária”, reclamou. “Maduro não repara na dor de uma mãe ao ver o filho minguar, sem um bocado de comida no estômago.”