São quatro e meia da madrugada e escrevo com o notebook apoiado em uma das mesas de um café, no aeroporto de Brasília.
Tive que acordar cedo para estar aqui a essa hora. Mas, fazer o quê? Sou um sujeito um tanto neurótico com essa história de perder voo. Prefiro uma hora de ociosidade na área de embarque a sair por aí correndo enquanto arrasto a bagagem de mão. Lembro, como se fosse ontem, das vezes mais assustadoras em que isso aconteceu, a primeira, no aeroporto de Lisboa, a segunda, no de Amsterdã. Talvez o risco de não conseguir voltar para o Brasil tenha me traumatizado.
Mas, duas semanas atrás, aconteceu de novo, desta feita em Brasília mesmo. A caminho do aeroporto, deparei-me com o pior engarrafamento que já vi na via L4 Sul. Quem conhece Brasília sabe que o limite de velocidade ali é de 80 Km/h, mas sabe também que entre seis e oito da noite o trânsito pode ficar complicado.
O certo é que, quando passei minha bagagem de mão pelo raio X, faltavam dois minutos para o início do embarque. Foi nessa hora que a funcionária disse, com toda a simpatia possível:
– O senhor foi sorteado para ter a bagagem submetida a uma inspeção visual.
Um palavrão quase escapou da minha boca, mas controlei a reação. Cheguei a argumentar que faltavam dois minutos para o início do embarque, mas ela disse gentilmente:
– Dá tempo. É rapidinho.
E só me restou esperar e engolir o choro. No final, acabou dando tudo certo.
Esse problema não terei hoje. Como disse na primeira linha desta crônica, às quatro e meia da madrugada eu já havia passado pelo raio X da bagagem de mão. Com o início do embarque previsto para 8:25 da manhã, estou tranquilo.
Escrevi o parágrafo anterior e pensei: o leitor que chegou até aqui deve estar achando que me atrapalhei com os horários; ou que enlouqueci de vez. Como assim, a pessoa chegar ao aeroporto às 4:30 da madrugada, para um voo que promete decolar às nove da manhã?
Admito, é estranho mesmo. Mas, é preciso considerar que escrevo no dia 30 de março de 2023.
Ontem à noite, enquanto arrumava a mala, vi a notícia que Jair Bolsonaro desembarcaria em Brasília hoje, às sete da manhã, depois de três meses fora do Brasil. E senti um frio na barriga.
Pensei nos bolsonaristas com saudade do seu líder, desejosos por mostrar a ele sua lealdade; pensei no próprio ex-presidente, sorrindo e acenando para a multidão; pensei na preocupação das autoridades responsáveis pela segurança do Distrito Federal, querendo evitar serem tachadas de omissas.
Vieram-me à mente imagens de barreiras policiais, mochilas sendo revistadas antes de entrar no saguão do aeroporto e um monte de gente em todos os espaços do aeroporto, gritando: “Mito! Mito! Mito!”.
Em meio a todo esse movimento, eu não conseguia chegar a tempo de pegar meu voo.
Estimulado por esses pensamentos, eu poderia ter feito várias reflexões sobre política, democracia, direito de manifestação e tantas coisas.
Mas fui dominado por uma preocupação, digamos, mais imediata, talvez trivial, quem sabe até egoista:
– Dessa vez não! – disse eu, em voz alta a mim mesmo. – Saio de casa de madrugada, mas, quando essa multidão se formar, já estarei dentro do aeroporto!
Separei a roupa para viajar, programei o despertador do celular para as três da madrugada e tentei dormir.