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As ginastas alemãs se apresentaram com macacões cobrindo as pernas, em vez dos tradicionais collants |
Maria Fernanda Marceline, historiadora e membro da equipe da Sempreviva Organização Feminista (SOP), acredita que, por mais que a sociedade ache que as pautas feministas estejam fazendo sucesso, nos casos em que as atletas revindicaram seus direitos de usar a roupa que acham mais confortáveis, e isso é negado, é possível assistir ao machismo ainda enraizado na sociedade.
Diariamente, somos bombardeados de discursos que dizem que as mulheres já conquistaram muito. Mas, ao mesmo tempo, é visível que ainda há um longo caminho a ser percorrido. “Esse tipo de reação no esporte nos revela exatamente isso. Que ainda existe muito trabalho a ser feito contra o machismo”, ressalta Maria Fernanda.
O que a historiadora quer dizer é que, apesar de sempre ser divulgado “meu corpo minhas regras”, em uma competição internacional que envolve dinheiro, patrocinadores e público, esse mantra não vale tanto. “Ainda vemos uma obrigatoriedade da hiperssexualização das mulheres no esporte”, explica.
A roupa é apenas a ponta do iceberg. A falta de poder na decisão da vestimenta transparece o silêncio dessas mulheres durante anos sobre os salários desiguais, a falta de oportunidades e investimentos nas categorias que atuam e, principalmente, a dificuldade de retornar ao esporte após ser mãe. “Há uma pressão brutal em cima dos atletas e, no caso das mulheres, tem mais esse ingrediente da cobrança de sensualidade”, conta.
Para ela, as roupas olímpicas das atletas podem ser vistas como o reforço de estereótipos. Quando você continua representando mulheres como objetos sexuais, como mercadoria que vende carro, que vende roupa, que vende tantas coisas. A historiadora ressalta que, enquanto no Brasil não houver um investimento na educação e no esporte, continuará a existir a reprodução de um padrão maléfico, especialmente para as mulheres.
Tânia Mara Campos de Almeida, professora do Departamento de Sociologia da Universidade Brasília (UnB) e integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Mulheres (NEPeM), lembra que as atletas, no caso das Olimpíadas, usaram o espaço para um debate que já vem acontecendo na sociedade. “As discriminações sofridas, violências e essa objetificação do corpo feminino, que também está muito presente no ambiente de esporte de alto rendimento.”
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Modalidade estreante nas Olimpíadas, o skate deu aula de diversidade ao dar várias opções de uniforme às atletas |
Mas isso não é uma pauta levantada no ano de 2021. A professora explica que as atletas mostram que estão incomodadas há algum tempo. Muitas vezes, o patrocinador daquele esporte ou da atleta exige que elas coloquem o biquíni ou roupas justas para subir ao pódio. “As empresas tentam associar a marca da roupa do patrocínio que elas recebem ao corpo delas”, contextualiza.
Da mesma forma, nas Olimpíadas de 2016, as mulheres ficaram muito incomodadas com o fato de o esporte ter tido menos foco, em comparação ao corpo delas, que ficavam em mais evidência do que o esporte em si. “O que muitas vezes agrada aos patrocinadores, agrada ao público, mas desvaloriza a mulher enquanto atleta”, explica.
As mães atletas ou que competiram durante a gestação sentem ainda mais dificuldade para se manter no esporte, pois precisam estar com suas crianças e, por muitas vezes, não existe a opção de levá-las para um centro olímpico ou viagens.
Além disso, Tânia explica que o foco, para muitas atletas, tende a virar a maternidade, como se fosse a identidade delas. Assim, passam a não ser mais reconhecidas pelos seus méritos nos esportes.
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Jogadoras de handebol de praia da Noruega foram multadas por se negarem a usar biquíni |
Regulamento questionável
Em um torneio europeu de handebol de praia, o time feminino da Noruega optou por usar short em vez de biquíni na parte de baixo e acabou sendo multado. A Federação Europeia de Handebol estipulou 150 euros de multa para cada jogadora. Essa mobilização na modalidade já aconteceu, em 2018, entre atletas brasileiras. A norma internacional pontuava que a largura lateral do uniforme feminino deveria ter, no máximo, 10cm. Para os homens, shorts mais largos. A manifestação pública das atletas do time do Cepraea criticava, assim, o critério estético da vestimenta. Com isso, vários protocolos internacionais foram atualizados para contemplar também o uso de shorts.
Povo fala
O que você acha sobre a obrigatoriedade no uso de roupas justas e biquínis pelas atletas nas Olimpíadas, em algumas modalidades?
“Acho que a obrigatoriedade não deveria existir. A roupa do atleta tem que respeitar o básico, que é a necessidade do devido esporte, proteção, mobilidade e conforto. A obrigatoriedade parece uma tentativa de padronização, que age principalmente na sexualização feminina. O que tem que ser obrigatório é o respeito à particularidade do esporte e à liberdade da equipe/atleta”
Luiza Abreu, 20 anos, estudante
“Enxergo que, com a quebra de certos ‘tabus’ nos últimos anos, mostra-se imperativo que essas mudanças também se estendam a eventos globais, tornando um ambiente mais democrático para as mulheres e dando voz e o direito à escolha sobre o uso de suas próprias roupas. Acredito que sua vestimenta não deveria servir como mais um empecilho para a prática de esportes”
Rayan Venâncio Rodrigues, 25 anos, estudante
“Eu acredito não ser coerente com a proposta das Olimpíadas, que é a união e a diversidade, a obrigatoriedade de trajes havendo distinção entre os sexos, pois, para os atletas masculinos, não há essa obrigatoriedade”
Murilo Costa Couto, 29 anos, vendedor
“Acredito que isso seja mais umas das inúmeras maneiras de sexualizar o corpo feminino, até porque não há nada que justifique a necessidade das mulheres usarem biquínis ou roupas mais justas que os homens, sendo que isso não interfere de maneira alguma na execução do esporte”
Maryana Rocha, 21 anos, estudante
“Acho a obrigatoriedade de roupa justa e biquíni nos esportes femininos desnecessária, porque não afeta o esporte, deveria ser opcional para a atleta que se sentir confortável usando. Tem mais a ver com sexismo e a transmissão dos jogos do que com esporte. Deveria ser opção e não obrigação”
Vitor de Melo, 21 anos, estudante