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A professora Graziella Joanitti integra grupo que estuda o efeito de compostos naturais contra os tumores
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Um dos principais polos de pesquisa no Centro-Oeste, a Universidade de Brasília (UnB) está entre as instituições brasileiras que se dedicam a estudos sobre o câncer. No entanto, a possibilidade de uma redução significativa no orçamento da entidade para 2020 preocupa a equipe. A previsão é de que a verba seja de R$ 1.370.581.487, montante 23,79% menor do que o deste ano. Os recursos, de acordo com a UnB, são insuficientes para honrar as despesas obrigatórias.
Os 54 projetos atuais da universidade relacionados à doença não se restringem à Faculdade de Medicina. Eles ocorrem em áreas como química, física, biologia animal e nutrição. Parte das pesquisas é conduzida por um grupo de 21 integrantes do Programa de Pós-Graduação em Nanociência e Nanobiotecnologia do Instituto de Ciências Biológicas, entre eles a professora doutora Graziella Joanitti, que estuda o efeito de compostos naturais contra o câncer.
“O objetivo é buscar na natureza compostos com atividade antitumoral. Eu trabalho particularmente com o câncer de pele e o câncer de mama”, explica Graziella. Os estudos têm como foco óleos derivados de frutos de açaí, buriti e pequi. “A gente coloca esses óleos em pacotes nanométricos, porque o óleo livre, muitas vezes, não tem efeito contra o câncer por não se misturar com a água, e a célula não consegue interagir com ele”, detalha.
A professora orienta seis trabalhos de mestrado e doutorado e outros quatro projetos de iniciação científica, todos na mesma linha de pesquisa. “O que também fazemos com esses nanossistemas são terapias combinadas. Com o óleo, colocamos quimioterápicos já usados clinicamente”, esclarece. A intenção é potencializar o tratamento e reduzir os efeitos colaterais.
Os projetos citados pela pesquisadora receberão neste mês os últimos recursos financeiros, e a equipe dela aguarda a abertura de novos editais. “Com os materiais que temos hoje, conseguimos seguir com os estudos até o início do ano que vem, mas, depois disso, vamos precisar de novas fontes”, enfatiza Graziella.
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Pesquisadores trabalham para reduzir a toxicidade da quimioterapia
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InterdisciplinaridadeO uso da nanobiotecnologia para potencializar tratamentos médicos também é trabalhado pelo professor João Paulo Longo. Ele conduz projetos com foco em nanomateriais para aplicações biológicas. Para isso, conta com o auxílio de conteúdos fora da biologia. “A nanociência por natureza exige um formato de grupos interdisciplinares. Precisa do conhecimento de física, matemática e biologia para ampliar isso na parte médica”, informa.
João Paulo é responsável por um grupo de 10 participantes, entre mestrandos, doutorandos e alunos de iniciação científica. “A gente tem três focos: reduzir a toxicidade da quimioterapia; controlar o desenvolvimento de metástase; e utilizar tecnologia para ativar o sistema imunológico dos pacientes.”O professor destaca que parte dos projetos em nanobiotecnologia tem apoio de universidades do exterior. “Nossos principais colaboradores são alemães e chineses. A internacionalização agrega muito no universo da ciência. A qualidade das hipóteses e das perguntas melhoram”, observa.
Segundo o diretor da Faculdade de Ciências da Saúde, Laudimar Alves de Oliveira, a UnB tenta continuamente parcerias internacionais, para que os pesquisadores daqui desenvolvam os trabalhos lá fora. “É mais comum o brasileiro ir para essas universidades do que o estrangeiro vir, porque a infraestrutura laboratorial e a estrutura de pesquisa no exterior são mais favoráveis.”
O diretor indica que o alto custo da infraestrutura e dos equipamentos da área é a maior barreira para a Universidade de Brasília. “Hoje precisamos de R$ 10 milhões para construir um laboratório de graduação plenamente satisfatório do ponto de vista de pesquisa e ensino”, exemplifica.
FinanciamentoO comprometimento de verbas é um empecilho para a inovação, destaca a professora Maria Emília Walter, decana de Pesquisa e Inovação da UnB (leia Três perguntas para). Para ela, o incentivo governamental é essencial no âmbito acadêmico. Dos 54 projetos sobre câncer, a UnB financia apenas dois. Os demais têm bolsas de financiadoras, que também não têm perspectivas favoráveis para o ano que vem.
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por exemplo, subsidia 11 pesquisas e, em 2019, teve dificuldades para transferir o dinheiro as bolsas. O governo federal aprovou suplementação de crédito de R$ 250 milhões para o pagamento do auxílio dos meses de outubro, novembro e dezembro. O orçamento do ano que vem, ainda não aprovado, é 6,3% maior. O aumento, entretanto, é no valor total e vem acompanhado de mudanças na distribuição dos recursos. A verba de fomento, que inclui compra de equipamentos e custeio de pesquisas, poderá ter corte de 87%.
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que custeia trabalhos da UnB, também tem perspectiva de redução. A previsão é de que o orçamento da instituição, ainda a ser aprovado pelo Congresso Nacional, fique em R$ 3,671 bilhões — 7,7% menor do que o de 2019.
Outros estudos da universidade contam com o financiamento da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF). A instituição recebe como dotação mínima 2% da receita corrente líquida do DF. Em 28 de novembro, a Câmara Legislativa aprovou, em primeiro turno, a proposta de emenda à Lei Orgânica do DF que garante ao governo o direito de usar para outros fins recursos destinados à FAP não empenhados até 15 de novembro deste ano.
O texto, de autoria do Executivo, ainda precisa ser avaliado em segundo turno. Ele não foi o primeiro apresentado com o objetivo de mexer no orçamento da FAP. No início de novembro, o Governo do Distrito Federal (GDF) enviou projeto à Câmara que previa redução em cerca de 80% na verba da fundação — estabelecia repasse de apenas 0,3% dos recursos do DF para a FAP. A proposição foi repudiada pela comunidade acadêmica e tirada de pauta, mesmo que, segundo nota do GDF, continue a tramitar no Legislativo.
Maior incidênciaEnquanto as pesquisas buscam novos tratamentos, a incidência do câncer cresce no Brasil. No ano passado, foram registrados 582.590 pacientes. Uma estimativa do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (Inca) prevê 600 mil novos casos para 2019.
Tema de conscientização do mês de novembro, o câncer de próstata é o segundo mais comum entre os homens no Brasil, apenas atrás do câncer de pele — que é tema do Dezembro Laranja, o último mês temático de conscientização do ano. Na UnB, cinco projetos estudam o câncer de próstata. Já o câncer de mama é alvo de 12 pesquisas. Entre as mulheres, o câncer de mama prevalece como segundo tipo da enfermidade mais frequente, também atrás do câncer de pele, e é o que mais mata.
"Com o material que temos, conseguimos seguir até o início do ano que vem. Depois, vamos precisar de mais fontes”Graziella Joanitti, doutora do Instituto de Ciências Biológicas