“Sempre foi visível a profunda afinidade de Nicolás Maduro com nosso querido e saudoso amigo Chávez”, derrama-se Lula já na largada do vídeo de abril de 2013, concebido para aconselhar o eleitorado venezuelano a eleger o sucessor escolhido pelo bolívar-de-hospício, morto um mês antes da gravação. “Maduro se destacou brilhantemente na luta pela construção de uma América Latina mais democrática e solidária”, ajoelha-se em seguida aos pés do discípulo do liberticida que inventou o socialismo do século 21.
Na continuação do palavrório, o atropelador da verdade e da gramática pisa no acelerador: “A grande obra de Chávez foi a de transformar a Venezuela em um país mais justo, realizando um massivo processo de transferência da renda petrolheira (sic) em proveito das camadas mais sofrida (sic) da sociedade. Chávez, assim como Maduro, sempre tiveram claro que a Venezuela necessitava escapar dos que muito chamos (sic) maldição do petróleo, daí a importância que deram, e que Maduro dá, à necessidade de industrializar o país e desenvolver sua agricultura”.
Haja safadeza. Até a cabeça baldia de Lula sabia que Chávez nada fizera (e Maduro jamais faria) para que a nação que controlavam se tornasse menos dependente do petróleo. Em vez de investir na modernização do país os bilhões de dólares arrecadados enquanto o preço do barril flutuava na estratosfera, a dupla de vigaristas resolveu torrá-lo em programas sociais irresponsáveis, mesadas que garantiram a vassalagem dos cucarachas bolivarianos ou donativos que mantiveram Cuba respirando por aparelhos. Quando a única fonte de renda secou, restaram um parque industrial indigente e um agronegócio agonizante.
A sequência de escolhas desastrosas — todas aplaudidas pelos companheiros do PT que arquitetaram a política externa da canalhice — só poderia dar no que deu: a Venezuela deformada por Chávez e Maduro foi reduzida a um grotão sul-americano em avançado estágio de decomposição. A inflação de 2017 não será menor que 1.660%. Um em cada cinco habitantes está desempregado. Mais de metade da população sobrevive em condições miseráveis. A crescente escassez de produtos básicos é medida por filas de dimensões inverossímeis nas cercanias dos supermercados e pela escalada dos assaltos a caminhões que transportam mercadorias.
Em 2016, ocorreram na Venezuela cerca de 28.000 homicídios. Foram 91.8 a cada 100.000 habitantes, taxa 10 vezes superior à média mundial. A violência urbana se soma à selvagem repressão de tropas do Exército e milícias chavistas a quaisquer manifestações dos opositores do regime, pacíficas ou não. Os presos políticos são pelo menos 114, encarcerados por motivos que seriam risíveis se não fossem tão perturbadores. Daniel Ceballos perdeu em março de 2014 a liberdade e o mandato de prefeito de San Cristóbal porque Maduro o acusou de “terrorismo”. O deputado Renzo Prieto está na cadeia desde maio de 2014 por “obstrução das vias públicas”.
É compreensível que, no primeiro trimestre deste ano, 52.000 venezuelanos tenham deixado o país natal em busca de paragens menos hostis. Perto de 30.000 se asilaram no Brasil, a maioria em Boa Vista, capital de Roraima. Neste domingo, praticamente todos votaram no plebiscito convocado pela frente de partidos oposicionistas para reiterar que quase 70% dos venezuelanos querem o fim do governo Maduro, o aborto da ditadura em gestação e a ressurreição da democracia assassinada com a cumplicidade dos governos lulopetistas.
Em 5 de março de 2014, por exemplo, numa carta a Maduro em que chorou “a morte do inesquecível e querido companheiro Hugo Chávez Frías, que hoje completa um ano”, Lula declarou-se admirador incondicional do bufão amigo. “Sob a liderança de Chávez, há 15 anos vocês percorrem o caminho do desenvolvimento com inclusão social, aprofundamento da democracia e distribuição da renda”, fantasiou. “Mesmo quando tiveram que enfrentar forças dispostas a violar o regime constitucional, mantiveram seu compromisso com a paz e a legalidade”.
A carta informa que Lula queria ser Chávez quando crescesse, enxergava na fraude bolivariana uma democracia de matar de inveja um eleitor sueco, descobrira que é a oposição quem sonha com a proclamação da ditadura e, como não lê sequer rótulos de garrafa, não fazia a menor ideia de quem é e o que pensa Oscar Arías, ex-presidente da Costa Rica e Prêmio Nobel da Paz em 1987. Em fevereiro de 2014, num artigo publicado no jornal espanhol El País, Arías resumiu o que pensava o mundo civilizado da reação brutal de Maduro, com o aval servil de boa parte do subcontinente, aos protestos de rua promovidos naquele começo de ano pela oposição venezuelana.
Um comunicado oficial endossado pelo governo brasileiro, por exemplo, formalizou o apoio irrestrito dos integrantes do Mercosul ao governo Maduro, ameaçado por “atos de violência”, “tentativas de desestabilizar a ordem democrática” e “ações criminosas de grupos violentos que querem disseminar a intolerância e o ódio na República Bolivariana da Venezuela, como instrumento de luta política”. De passagem por Roma, a presidente Dilma Rousseff foi convidada por um jornalista a manifestar-se sobre o surto repressivo que ensanguentava a Venezuela. “Não interfiro em problemas internos de outro país”, mentiu a avalista do infame documento do Mercosul.
O texto em que Arías implodiu o monumento ao cinismo foi publicado sob o título Venezuela: inferno de perseguição. Segue-se um trecho:
Em nenhum país verdadeiramente democrático alguém é preso ou assassinado por discordar das políticas do governo ou por manifestar em público seu descontentamento. A Venezuela de Maduro pode fazer todos os esforços de oratória para vender a ideia de que é efetivamente uma democracia. Cada violação dos direitos humanos que comete nega na prática tal afirmação, porque sufoca a crítica e a dissidência. (…) Estou convencido de que, se não existe oposição numa democracia, devemos criá-la, não reprimi-la e condená-la ao inferno da perseguição.
Martin Luther King Jr. disse que “os lugares mais quentes do inferno estão reservados àqueles que num período de crise moral se mantiveram neutros. Num determinado momento, o silêncio se converte em traição”. Sempre que os direitos humanos forem violentados, não vou calar-me. Não posso calar-me se a mera existência de um governo como o da Venezuela é uma afronta à democracia. Não vou calar-me quando estiver em perigo a vida de seres humanos que apenas defendem seus direitos de cidadão.
A Venezuela está a poucos passos da guerra civil. Caso a tragédia se consume, a cena do crime estará repleta de impressões digitais da era lulopetista. O governo Temer já revogou a sórdida política externa que rebaixou o Itamaraty a serviçal dos tiranetes bolivarianos. Precisa agora acolher os refugiados venezuelanos e impedir que a oposição democrática seja massacrada. É hora de pagar a conta legada pela sabujice dos dois antecessores. É hora de mirar-se no exemplo de Oscar Arías.
O ex-presidente da Costa Rica sempre submeteu suas ações a valores morais, princípios éticos e pelo sentimento da honra. Lula e Dilma nem sabem o que é isso.