Para Jessier Quirino.
Reeditado a pedido!
Viajou para o Céu do Nunca no inicio de janeiro de 2017 uma linda sobrinha de beleza ímpar que morava na cidade de Lagoa do Carro-PE. Era querida de todos!
O amor explica por quê!
Por ser enfermeira, se dedicava e amava tanto à profissão que escolheu que se esqueceu de cuidar dela própria.
Era feliz no ofício!
Descobriu que estava com um “maldito” já em estágio avançadíssimo quando foi fazer um exame de rotina, embora sofresse os sintomas há muito e houvesse histórico na família.
Assim que tomou conhecimento do diagnóstico macabro por meio de sua médica oncologista, pediu a esta que não a internasse em hospital para tratamento quimioterápico. Queria esperar a indesejada das Gentes em casa, cara a cara, tête-à-tête, no seu leito de vida. Pois, segundo afirmava “o tratamento com a presença de outras pessoas padecendo do mesmo mal sem ela poder ajudar a fazia sofrer mais, e era-lhe violentamente mais angustiante, sofria mais!”. Vivência e experiência da profissão que ela amava lhe davam a certeza absoluta da decisão tomada!
Deitada na cama do seu quarto passou a assistir à novela da Globo, Velho Chico, e encantou-se pela dupla Avelino e Egídio, vivida por Xangai e Maciel Melo na trama de autoria do excelente novelista Benedito Ruy Barbosa.
Segundo me contou sua mãe, minha irmã Mariinha, ela se enamorou tanto pela dupla de cantadores que davam vida aos personagens, que começou a pesquisar na Internet sobre suas vidas artísticas. Pesquisou tanto sobre os dois trovadores que talvez soubesse mais sobre suas vidas do que eles próprios!
Fascinou-se tanto por um vídeo de Xangai cantando BOLERO DE ISABEL, composição de Jessier Quirino, que passou a viver em função da beleza enluarada da música que ela dizia ser a que lhe dava mais emoção e vontade de viver minuto a minuto do que lhe restava da vida terrena. Chegou a assistir ao vídeo mais de mil vezes! E quanto mais assistia mais emoção sentia! Assistiu-o tantas vezes que esquecia que estava doente e não sentia a presença da indesejada das Gentes lhe rondando a cama!
BOLERO DE ISABEL lhe fez tanto bem emocionalmente que as pessoas que a iam visitar e prosear, ficavam impressionadas com a sua naturalidade no leito da vida! Parecia o semblante de Branca de Neve deitada no esquife de vidro preparado pelos Sete Anões!
Luanda dizia que nada no mundo substitui a emoção! A emoção move o mundo, dando sentido ao prazer, à vida! A emoção é a leveza da vida, é a fé, é o olhar otimista contra o pessimismo! É o bem melhor da vida! O cérebro sempre agradece a grandeza da emoção!
Segundo me disse sua mãe, ela passou a pesquisar sobre Maciel Melo, quando descobriu um vídeo dele cantando Rainha de Todos os Santos, que ele dedicou a sua mãe, dona Lurdinha, e a seu avô, seu Pedro Gídio!
Nas pesquisas feitas na Internet, ela ficou mais fascinada ainda quando tomou conhecimento que o cantor Xangai e o percussionista Naná Vasconcelos, por quem ela nutria uma admiração incondicional, tiveram participação especial na gravação original da música Rainha de Todos os Santos, de autoria de Maciel Melo.
Sabia tudo sobre a vida artista do gênio da percussão, nunca tendo perdido a abertura do Carnaval do Recife, no Marco Zero, sobre a batuta de Naná Vasconcelos, mesmo vivendo no interior de Lagoa do Carro-PE!
Bateu-lhe no leito da vida um desejo e uma vontade inenarrável, que só não foi concretizada porque ela só veio a descobri-los quando descobriu também a doença já avançada: conhecer Xangai, Jessier Quirino e Maciel Melo, de testa num show qualquer! Encantou-se com o sonho não realizado! Mas valeu a intenção!
O sonho não foi concretizado, mas ela encantou-se feliz ao som de BOLERO DE ISABEL, ouvindo no IPOD do filho. E na estante, junto à cama, os livros prediletos que ela lia todos os dias: PROSA MORENA – Chico Boa e Zé Qualquer Fazendo Sala na Cozinha -, de Jessier Quirino, Edições Bagaço. Ano: 2005, com Orelha de Luiz Berto, romancista e editor do Jornal da Besta Fubana (JBF) e O ALIENISTA, do genial Machado de Assis, Editora Ática. Ano: 1979.
Encantou-se Luanda! Encantou-se feliz! Não quis choro nem lágrimas no cortejo fúnebre – assim deixou escrito como seu último desejo, e ao som de BOLERO DE ISABEL cantado por Xangai!
P.S. Luanda, antes de se encantar, deixou esse bilhete para a mãe, Maria Josefa Tavares (Mariinha), debaixo do livro PROSA MORENA.
Mãiinha:
Não gostaria de ver tristeza no meu cortejo fúnebre. A experiência da profissão me vacinou contra esse vírus que antecede à morte do cérebro.
Não vou pedir para a senhora não chorar porque sei que minha mama é muito emotiva, não foge desse “lugar-comum”. Mas avise os outros que festejem cantando. Minha “alma” vai se sentir mais feliz.
Transfira esse desejo a Luandes e Mateus, meus filhos amados. Eles sabem do amor que a mãe sente por eles.
Avise a eles que se houver “vida” do outro lado do mundo, como prega o “Livro Sagrado Cristão”, eu vou guiar os dois, daqui de cima, tal qual fiz na terra.
Também avise a eles que nunca deixe de solidarizar-se e ajudar todas as pessoas necessitadas e desassistidas, além de elas não terem culpa do fado pesado que carregam nas costas, “Deus” lhes fechou as portas da esperança e trancou-a de cadeados, entregando-os aos “poderosos” sem coração!
Também avise a titio Cícero que não me deixe sem ‘ouvir’ BOLERO DE ISABEL no percurso do cortejo fúnebre. A canção torna o momento mais suave, mais alegre, mais descontraído, mais musical!
Bjs. da sua eterna filha,
Luanda Tavares
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Luanda, antes de se encantar, assistia a esses vídeos que lhe tocavam mais o coração e a inspiravam mais ainda a amar as pessoas. “Somos apenas poeira das estrelas”, tio Cícero – dizia. “Nada na terra nos pertence.”