No final dos anos 1990, início de 2000, Luana Carvalho era frequentadora dos bailes funk mais fervidos da cidade. Subia o Morro do Borel, ia ao Emoções, na Rocinha, dançava muito no Rio das Pedras. “Fora o Wells Fargo, para onde eu ia de nauru (sapatos de camurça de gosto duvidoso, com sola de borracha), calça de Bali e top, né?”, lembra a filha de Beth Carvalho (1946-2019), que cresceu entre o Leblon e a Tijuca. “Se a minha mãe era o Túnel Rebouças, sempre fui a Reboucinhas.”
Nos últimos meses, Luana começou a gravar, na cozinha de casa, versões intimistas de hits do funk carioca — MC Marcinho (“Rap do solitário”), Latino (“Me leva”) e Bob Rum (“Está escrito”) —, que começaram a fazer sucesso em suas redes. Ela, que em junho lançou o álbum “Baile de máscara”, com músicas de sua mãe, resolveu transformar a experiência caseira no segundo disco produzido nesta quarentena. “Segue o baile” terá o primeiro single disponível nas plataformas digitais no próximo dia 4 e as 10 faixas completas até o fim de outubro. “O funk carioca tem muito do maculelê: tchum, tcha, tchum, tchum. O ritmo sempre mexeu muito comigo, que sou macumbeira, filha de Oxum”, diz.
Pai de sua filha, Mia, o guitarrista Pedro Sá a acompanha no violão. “Não estamos mais juntos, mas é difícil haver um músico que entenda tanto o meu trabalho quanto ele.” Além dos clássicos, há três músicas autorais, sendo uma composta em parceria com a atriz Andréia Horta. "Em uma conversa de áudios por WhatsApp, Luana e eu falávamos sobre a ronda do câncer de mama em mulheres da nossa idade e os cuidados que temos que ter. A dor que isso causa, o medo. E eu disse: eu quero teta sem treta! Assim começamos a criar uma música. Fomos trocando mensagens e a letra nasceu ali, fácil, simples, de coração. Poesia pura. Eu quero teta sem treta!", exalta Andréia.
O tema desigualdade social também é abordado no disco. “Foi delicado escolher o repertório. Adoraria gravar, por exemplo, ‘Estrada da Posse’, mas moro na Gávea. Não é meu lugar de fala. Tanto que, em uma das minhas músicas, faço uma crítica a mim mesma e aos meus privilégios de classe média. Adoro muitos cantores que têm avião, mas acho que não há como ter jatinho particular em um país com a desigualdade social do Brasil. Há um limite do consumo que precisamos investigar”, acredita.
Para Luana, sua missão é, de alguma forma, levar esse questionamento e fomentar a discussão entre pessoas da sua geração que, assim como ela, amam funk. Além disso, ela busca chamar atenção para a efemeridade do gênero. “Diferentemente samba, que, além de história, sempre teve mais elasticidade para a erudição, o funk ainda é muito associado à violência. Mas, assim como samba, ele não pode morrer. Tem tradição.”