LOUCURA DIVINA
Castro Alves
(Do poema A Cachoeira de Paulo Afonso)
—"SABES que voz é esta?"
Ela cismava!...
— "Sabes, Maria?
— "É uma canção de amores.
Que além gemeu!"
— "É o abismo, criança!..."
A moça rindo
Enlaçou-lhe o pescoço:
— "Oh! não! não mintas!
Bem sei que é o céu!"
—"Doida! Doida! É a voragem que nos chama!..."
—"Eu ouço a Liberdade!"
— "É a morte, infante!
— "Erraste. É a salvação!"
—Negro fantasma é quem me embala o esquife!"
—"Loucura! É tua Mãe ... O esquife é um berço,
Que bóia namplidão!..."
— "Não vês os panos dágua como alvejam
Nos penedos? Que gélido sudário
O rio nos talhou!"
— "Veste-me o cetim branco do noivado...
Roupas alvas de prata... albentes dobras...
Veste-me!... Eu aqui estou."
—JÁ na proa espadana, salta a espuma... "
—São as flores gentis da laranjeira
Que o pego vem nos dar...
Oh! névoa! Eu amo teu sendal de gaze!...
Abram-se as ondas como virgens louras,
Para a Esposa passar!...
"As estrelas palpitam! — São as tochas!
Os rochedos murmuram!... São os monges!
Reza um órgão nos céus!
Que incenso! — Os rolos que do abismo voam!
Que turíbulo enorme — Paulo Afonso!
Que sacerdote! — Deus..."