14 de maio de 2020 | 20h44
Num momento único e terrível para o sistema da música ao vivo no mundo todo, e quando artistas procuram formas de se comunicar com os fãs, a banda apresentou uma novidade: o vídeo mostra o “ponto de vista Hermanos”, ou seja, a câmera, de cima do palco ou no solo, fica apontada o tempo todo para a plateia, para “los fãs”, num tipo de homenagem que ganha novos significados nos tempos em que vivemos.
O vídeo, agora disponível no canal oficial da banda, mas transmitido ao vivo com um chat, criando uma espécie de festa entre pessoas conectadas de diversos locais, mostra a cerca de 1h30 do disco gravado, interpolada com imagens, em shows nas 11 cidades pelas quais a banda passou em 2019. É uma hora e meia de faces, cantando emocionadas uma hora e meia de músicas que (já ficou claro) marcaram uma geração de brasileiros, talvez a última geração de amantes da música tão centralizada por uma banda de rock nacional, cria deste solo
Com O Vencedor, Marcelo Camelo aponta o microfone e o público canta, vibrante, os primeiros versos de uma música que preconiza um tipo de otimismo melancólico, signo de uma geração, transformado em música: “Olha lá, quem acha que perder / É ser menor na vida / Olha lá, quem sempre quer vitória / E perde a glória de chorar / Eu que já não quero mais ser um vencedor / Levo a vida devagar pra não faltar amor”. Com Primeiro Andar, A Outra, Pois É, Sentimental, a banda arranca um riacho de lágrimas desgarradas de rostos às vezes mais jovens do que as músicas, marcas de uma idade em que sofrer por amor é regra, e não exceção.
De Onde Vem a Calma é nomeada pelos fãs de “Evangelho Segundo São Camelo”, e uma série de canções do primeiro disco recupera das entranhas do início dos anos 2000 (parece, agora, cinco mil anos atrás) as batidas aceleradas descendentes do indie rock de guitarras do século passado.
Os mal humorados podem encarar o vídeo, uma “live” sem a presença dos músicos (embora Rodrigo Barba e Bruno Medina estivessem participando do chat no Youtube), como algo frio num tempo em que a comunicação direta com os fãs poderia, sei lá, oferecer algum alívio. Por outro lado, também é interessante notar como a banda parece gostar de fato dos fãs. “Claro que a peça central disso tudo são vocês, ano após ano, e agora enchendo estádios”, diz Camelo a certa altura, genuinamente impressionado. “Um sonho que a gente jamais ousou sonhar, como disse o Bruno.”
No chat, os fãs tentaram fazer subir a hashtag #LH2021, pedindo uma nova turnê da banda no ano que vem, quando, aparentemente, todos esperam poder retornar a shows e aglomerações. Ano passado, o Los Hermanos lançou Corre Corre, a primeira música inédita em 14 anos, mas a verdade é que nem mesmo os mais apaixonados esperam de fato uma reunião completa da banda.
O assunto política surgiu aqui e ali no chat, com a maioria dos participantes pedindo a saída do presidente e azucrinando os eventuais “bolsominions” que apareceram.
Nada que atrapalhe um pensamento que essa “live” desperta. Assim como o excelente disco Gil Baiana Ao Vivo Em Salvador, lançado no fim de abril, gravações ao vivo assim demonstram algo que escapou por entre nossos dedos sem ninguém perceber. A música ao vivo foi negada aos habitantes da Terra, de uma hora para a outra, e neste dia 14 de maio ninguém sabe exatamente qual é o futuro dela no mundo. Quando é que bandas, técnicos de som e de luz, produtores, e simplesmente fãs poderão novamente se aglomerar em frente a um palco para criar ali um tipo de movimentação cósmica, a cada momento inédita, visto que sempre diferente uma da outra? Mas ao mesmo tempo igual? O poder da música ao vivo foi contaminado pela covid-19, e por enquanto, sofremos, pois não há previsão de cura.