Hoje, o samba acontece de um jeito diferente na Rua Clara Nunes, número 81, no bairro de Oswaldo Cruz, Zona Norte do Rio. Fechada desde que a pandemia instaurou o isolamento social, a Quadra da Portela abre as portas para uma live cheia de saudosismo, um alento para os fãs da escola e para entusiastas do samba em geral.
Ainda sem poder receber o público, Serginho Procópio, vocalista e cavaquinista da Velha Guarda, Gilsinho, intérprete oficial da Portela, e uma turma de 12 ritmistas liderados pelo mestre de bateria Nilo Sergio estarão na quadra da Azul e Branco a partir das 15h, com o show “Palco Portela: Uma história cantada ao vivo”. A live será transmitida no canal oficial da escola no YouTube (/portelatv).
Várias participações estão previstas na transmissão, que será apresentada pela porta-bandeira Lucinha Nobre. Tia Surica, Mauro Diniz, Marquinhos de Oswaldo Cruz, Teresa Cristina e Toninho Geraes já confirmaram presença, cada um da sua casa, e outras surpresas provavelmente vão pintar. Durante a exibição do show, serão arrecadadas doações para o projeto Águia Solidária, que destina os recursos para pessoas carentes dos bairros de Madureira e de Oswaldo Cruz.
— Essa live vai ser bem bonita, por todo o contexto que envolve, pela parte solidária das doações. Mas também vai ser saudosa para todos nós. Eu estou acostumado a subir naquele palco e tocar para bastante gente, sempre com a quadra cheia, e agora encontrar a quadra vazia vai me bater saudades dos amigos, de tudo o que envolve o carnaval e a Portela em si. Vai bater uma nostalgia — diz Procópio.
Histórias de Monarco
Aos 86 anos, Monarco, integrante mais antigo da Velha Guarda da Portela, não podia ficar de fora da festa. O sambista vai contar histórias da escola e cantar duas canções. A primeira será “Retumbante vitória”, ou “O passado da Portela”.
— Logo que saímos da Praça Onze (onde eram realizados os primeiros desfiles), em 1951, e fomos para a Avenida Presidente Vargas, em 1952, fiz o meu primeiro samba. A diretoria gostou, as pastoras gostaram, e serviu de esquenta para a escola. Foi inesquecível, uma alegria enorme para o meu coração. Chama-se “Retumbante vitória”. Quando o Seu Natal ouviu, disse: “Temos que aproveitar esses garotos.” Nunca esqueço dessa frase. Fomos para o time de cima, eu, Candeia e outros.
Monarco lembra que foi a pedido de João Nogueira que a canção ganhou outro nome.
— Depois o João gravou o samba e me pediu para trocar o título para “O passado da Portela” , e claro que eu deixei — conta o bamba. — E também vou cantar um samba do Alberto Nonato, “O sofrimento de quem ama”. Conto histórias da escola, como as de Seu Caetano, que inventou a águia (símbolo da escola).
Monarco está cumprindo à risca o isolamento. Já assistiu a algumas lives, como a de Zeca Pagodinho e a do cantor Ferrugem, mas é a primeira vez que vai participar de uma transmissão on-line. Com serenidade, diz que não tem pressa para voltar a viajar para se apresentar com a Velha Guarda — “o banheiro do avião é muito pequeno” —, mas reconhece que sente falta de “mostrar a voz” por aí.
O que bate mais forte, entretanto, é a saudade de sua rotina, sempre ligada à Portela. Um grande amor que ele reencontra hoje, ainda que pela tela do celular.
— Eu comprava o jornal e lia lá, na minha salinha. Na esquina tinha um pãozinho com ovo, café com leite, falava com o porteiro que já me conhecia: “Ô, Seu Monarco!” Lá na minha sala tem os retratos dos verdadeiros sacerdotes do samba, como Paulo da Portela e Carlos Cachaça. Ficava namorando meus velhinhos... Mas a vida é assim, nem tudo acontece como a gente quer. Temos que seguir adiante e ter fé em Deus que as coisas vão melhorar.