Apaixonadas por livros, 24 mulheres que se encontraram por acaso em um curso de atualização feminina na área de humanidades, em 1980, na Universidade de Brasília (UnB), mantêm viva até hoje a assiduidade com a leitura e com uma amizade que ultrapassa encontros mensais. O grupo fundou o primeiro e mais antigo clube do livro da capital federal, que surgiu da necessidade da manutenção do contato com um hobby e entre si mesmas.
À época, diversas ideias passaram pela cabeça das fundadoras, mas a que prevaleceu foi a de Amélia Couto. A iniciativa teve inspiração em projetos semelhantes que ela conheceu em viagem ao Peru. Mesmo após morrer, há cerca de uma década, o legado da idealizadora prevaleceu.
Nascido em 17 de março de 1980, o Clube do Livro nº 1 de Brasília tem estatuto registrado em cartório, diretoria eleita por biênio e o compromisso firme das integrantes com os encontros mensais. "Toda terceira segunda-feira do mês, nós nos encontramos. Chegamos com a leitura do próximo mês definida e, geralmente, às 14h30, conversamos sobre assuntos necessários do clube — como a arrecadação do dinheiro para a compra da obra seguinte — e estruturamos nossa ata. O convidado costuma aparecer às 15h, e o debate ocorre tarde adentro, até umas 17h ou mais", detalha a tesoureira do clube, Maria Pereira, 66 anos.
Maria Ignez Andrade, 93, chegou ao grupo no quinto encontro, no primeiro ano de fundação do clube, e reconhece a ligação que cresceu dali. "Há uma amizade não só de reuniões, aniversários ou festas, mas algo sólido, construído por causa dos nossos encontros. Algumas (participantes) têm afinidade maior, e esse vínculo se faz presente em todos os momentos. Uma vez, perdi uma parente e estava no Rio de Janeiro. Foi incrível o apoio que eu recebi daqui (de Brasília), de longe. Inclusive, elas conseguiram agendar a missa do sétimo dia para mim. Então, é um clube em que estamos juntas muito além dos momentos felizes", detalha Maria Ignez.
Organização
Quarenta e dois anos depois, o clube leu 335 livros. Marilene Martins de Oliveira, 64, conta que as integrantes só interromperam os encontros nos dois primeiros anos da crise sanitária. "Quando nos preparávamos para comemorar quatro décadas de fundação, em 2020, decretaram a interrupção de todas as atividades. Tínhamos tudo planejado — convite e bufê —, mas a pandemia chegou e atrapalhou nossos planos. Agora, vamos comemorar o aniversário do clube em junho, com Brasília como tema especial", antecipa.
Além dos debates que ocorrem entre as próprias leitoras, eventualmente, convidados aparecem para enriquecer as discussões sobre as obras. "Tivemos a presença de vários escritores daqui do DF, como José Almeida Júnior (autor de O homem que odiava Machado de Assis), Maurício Gomyde (autor de Todo o tempo do mundo) além de psicólogos, médicos e professores de literatura, por exemplo", destaca Neide Mossri, 87. A escolha do tema da próxima reunião fica a cargo da sócia que recebe o grupo como anfitriã do mês.
Os gêneros variam, mas as participantes evitam obras de poemas e contos, devido à amplitude dos temas nas coleções desse tipo. A arrecadação dos valores para compra dos livros, bem como a negociação de descontos e prazos com as livrarias é responsabilidade da tesoureira. "Entrei porque minha sogra participava do grupo, e eu sempre ficava junto, escutando os debates. Ela sempre me indicava o que estava lendo. Um dia, surgiu a vaga, e ela me indicou. Geralmente, fazemos sorteio de nomes (de candidatas) sugeridos pelas sócias, mas, naquele dia, não havia outra concorrente. Então, comecei minha história com o clube", relembra Maria Pereira.
Memória
A paixão pelos livros e o desejo de compartilhar histórias une as integrantes do clube. Nenhuma delas é obrigada a participar dos debates, mas raramente há ausências ou obras com leitura inacabada. Esta semana, elas se debruçaram sobre Violeta, de Isabel Allende. No próximo mês, será a vez de Torto arado, de Itamar Vieira Junior. Entre os títulos que marcaram a trajetória do projeto e agradaram quase que unanimemente estão: A casa dos espíritos; Os catadores de concha; e A casa da água.
Além das experiências proporcionadas pelas páginas dos livros, há aquelas vividas pelo grupo, unido mesmo diante das adversidades. Enquanto leem as obras e costuram uma colcha de narrativas, as 24 integrantes eternizam histórias fictícias e verídicas, de personagens, de si próprias e em memória das pessoas queridas.