Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Poemas e Poesias terça, 24 de março de 2020

LINDAS CENAS (POEMA DO MARANHENSE ARTHUR AZEVEDO)

LINDAS CENAS

Arthur Azevedo

 

É na varanda a cena, onde o trabalho

Ocupa três morenas,

Rosas do mesmo galho,

A quem desponta apenas

Um sol de primavera.

 

Que lindo! ai, quem me dera

Saber reproduzir tão lindas cenas:

 

A primeira uma saia finaliza,

E a outra um cós pesponta,

E a terceira marcando uma camisa

Está, que já das mãos lhe saiu pronta.

 

Na pobre meassaba

(O canapé da mísera vivenda)

Das morenas a mãe ligeira acaba

Algumas varas de engenhosa renda.

Trabalho de encomenda.

 

A velha mão cansada

Dos bilros no vaivém parece nova,

Acompanhando a lânguida toada,

A invariável trova,

Entre dentes cantada.

 

De vez em quando cessa a cantilena,

E ao taquari sorvendo umas fumaças,

A velha mãe ordena

Mais ativo trabalho àquelas graças.

 

Meu Deus! que linda cena l

E que pintor pintá-la poderia!

 

A primeira das três, toda alegria,

Tem a feição brejeira;

A segunda é não menos prazenteira;

Mas que melancolia

Entenebrece o rosto da terceira!

 

A primeira, da mãe severa e dura

A distração aguarda,

Pois em baixo dos panos da costura

A Moreninha, de Macedo, guarda,

E, em rápido relance,

Fundo e furtivo olhar manda ao romance.

 

A segunda parece mais sensata:

As vistas em redor jamais espaça,

Mas a mana maltrata

Um beliscão que é dado em ar de graça

 

Si a felicidade só no rir consiste,

Que são felizes todas ires diviso;

Mas a terceira ri de um rir tão triste...

As lágrimas prefiro àquele riso.

 

Em vão simula calma...

Deixa dos dedos lhe cair a agulha.

Aquela cândida alma

Acaso se mergulha

Nalguma dor sincera?

 

Que lindo! ai, quem me dera

Saber reproduzir tão linda cena!

 

A velha está serena.

— Que tens, sinhá, que tens? Te desconheço I

Tu bem sabes, pequena:

Quando eu te vejo triste, me entristeço J —

 

Disfarça a moça a comoção, o enleio,

Partindo a linha co'os formosos dentes,

Mas desfolha no seio

um rosário de lágrimas ardentes.

 

Desse modo acusada,

Ergue-se envergonhada,

E no eólio materno, abrigo santo,

Tenta esconder o resto do seu pranto.

 

As outras duas moreninhas belas,

Erguidas logo, serenar procuram

A dolorida irmã, bem sabem elas

Que são artes do amor que assim misturam

As lágrimas aos risos

Tristes, amargurados, indecisos:

Mas não sabem da missa nem metade...

 

Com que meiga piedade

Em beijos degenera

Aquela doce pena!

Que lindo! ai, quem me dera

Saber reproduzir tão linda cena

 

A porta da varanda se escancara

E no lumiar a cara

De um velho se apresenta.

Carregando garboso os seus sessenta.

Dá-lhe um solene, venerando aspeito,

A barba branca que lhe cobre o peito.

 

Não está só o ancião: traz ao seu lado

Um bonito rapaz, tipo de poeta,

E vem acompanhado

Por um cão agitando a cauda inquieta.

 

Dirigindo-se a velha

Que, surpreendida, franze a sobrancelha,

— Minha senhora, diz o velho, queira

Perdoar-me entrar aqui desta maneira,

Sem me fazer anunciar; urgente

Caso me traz humilde e reverente:

Este moço é meu filho;

Saiu-me, por desgraça, um peralvilho!

De uma destas meninas

Alcançou entrevistas clandestinas.

 

E fugiu dela, calculando, injusto,

Que eu, que sou velho honrado, me oporia

Ao casamento. Só a muito custo

Me revelou essa patifaria,

Da qual me prevenira um bom amigo

Senhora, aqui o tem, trouxe-o comigo,

E peco-lhe, para este bigorrilha,

Com o seu perdão, a mão de sua filha,

Si o julga digno de casar com ela.

 

Nesta pálida tela

Não ponho, que o pincel me não ajuda,

A longa cena muda

Que se passou; da velha o grande espanto,

E da culpada o pranto,

E a surpresa das manas, e o enleio

Do sedutor, parado ali, no meio

Da casa, cabisbaixo, e o pai sisudo,

De barbas brancas e figura austera,

E o cão curioso, farejando tudo,

Indiferente à sorte da pequena.

 

Que lindo! ai, quem me dera

Saber reproduzir tão linda cena!

 

Quando a velha, passado o espanto imenso,

Lançou à moça um longo olhar magoado,

Esta, mordendo o lenço,

De lágrimas lavado,

— Mamãe, perdoa... murmurou apenas.

 

Ai, quem me dera, em verso aprimorado

Saber reproduzir tão lindas cenas l


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