Imagem do filme LINCOLN (2012), dirigido magistralmente por Steven Spielberg
A abertura do clássico filme Lincoln do diretor Steven Spielberg traz uma poderosa e rápida cena de batalha na etapa final da histórica “Guerra Civil Americana”, muito semelhante às magistrais sequências de confronto nos filmes “O Resgate do Soldado Ryan.” (1998) e “Cavalo de Guerra.” (2011).
Na cena de abertura, soldados lutam em um grande campo de terra enlameado pela forte chuva, espadas e rifles, ceifando centenas de vida a cada segundo. De fato, Spielberg já demonstrou que sabe fazer filmes com temática de guerra como poucos diretores, porém, em Lincoln, após os primeiros minutos, o cineasta se supera a nos contar com maestria a história dos últimos meses de vida do mais popular presidente americano de todos os tempos, Abraham Lincoln, deixando, assim, os momentos de batalha de lado e apostando, seguramente, em desenvolver uma minuciosa cinebiografia do presidente acerca de uma forte temática política com base em fatos que mudaram o curso da história da humanidade.
Como já dito anteriormente, a superprodução desenvolve uma cinebiografia do 16.º presidente norte-americano que liderou o Norte dos Estados Unidos na vitória durante a Guerra Civil Americana (também conhecida como “Guerra da Secessão”). O longa enfatiza os tumultuados meses finais do presidente Lincoln no cargo do primeiro mandato. Em um país dividido pela guerra e varrido por fortes ventos de mudança, Lincoln (Daniel Day Lewis) segue estratégia para encerrar a guerra, unir o país e abolir a escravidão. Com coragem moral e determinação férrea de vencer, suas escolhas nesse momento crítico mudaram o destino das gerações futuras.
Logo que Lincoln aparece em cena (em um belíssimo momento, por sinal) já vislumbra a nítida impressão da tendência narrativa que o diretor Spielberg desenvolverá: endeusar a figura do herói americano (repare, por exemplo, no momento em que o quadro se abre aos poucos até que apareça o presidente – quase sempre em primeiríssimo plano ou em perfil, aliás). Além disso, o roteiro ainda faz questão de enfatizar os dramas familiares de Lincoln a fim de humanizá-lo e gerar maior familiaridade com o espectador, para que este, posteriormente, venha a se comover com a lamentável e histórica morte do presidente – e isso não é spoiler, obviamente. Porém, apesar de não ser um problema comprometedor, tal opção soa desnecessária no filme que traz, por si só, um herói que não precisa de nenhum excesso narrativo para carregar o filme do início ao fim – ainda mais quando interpretado por um dos melhores atores da atualidade, Daniel Day Lewis, ganhador do Oscar de melhor ator.
Roteirizado por Tony Kushner, John Logan e Paul Webb – baseado na obra de Doris Kearns Goodwin, “Lincoln” é um dos melhores filmes sobre a política americana já feitos. As cenas de debate entre políticos com opiniões gritantemente divergentes a respeito da 13.ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos da América (que, evidentemente, pôs fim a escravidão e justificou os direitos entre negros e brancos) são excepcionais.
E, mesmo que certos termos políticos possam causar estranheza, o trabalho de pesquisa da equipe de Spielberg é admirável desde simples nomes a grandes acontecimentos – muito deles envolvendo a corrupção de compra de votos de vários políticos. E é justamente nesses momentos – que são, sem dúvidas, os melhores e mais vibrantes do longa – que Tommy Lee Jones brilha em uma atuação excelente como ator coadjuvante (não precisa nem dizer que seria merecido caso ele viesse a receber o Oscar – apesar de que todos indicados sejam fortíssimos e igualmente merecedores).
O ator, facilmente, garante o êxito de todas as cenas onde Lincoln não aparece; porém quando Daniel Day Lewis está em cena não tem para ninguém. Chega a impressionar a facilidade com a qual o brilhante ator interpreta o presidente como já tivesse atuado no papel toda sua vida; Daniel, de fato, domina as características de Abraham Lincoln magistralmente, começando pelas pequenas expressões faciais, passando pelo jeito de andar e impressionando a todos com seu perfeito trabalho vocal (e, mesmo sendo admirador das atuações dos demais concorrentes ao prêmio de melhor ator ganhador do Oscar seria um pecado não contemplar o divino trabalho do sempre perfeccionista Daniel Day Lewis).
Contando com um desing de produção definitivamente impecável, “Lincoln” se torna um filme genuinamente exuberante. A direção de arte (de Curt Beech, David Crank e Leslie McDonald) é extraordinária, os figurinos são riquíssimos em detalhes, a maquiagem é formidável e a trilha musical – além de tocante – é quase sempre adicionada precisamente pela edição (mesmo que a composição de John Williams possa, em alguns momentos, soar insistente). Isso sem mencionar a primorosa fotografia de Janusz Kaminski, quase sempre azulada e nebulosa, transmitindo toda a tensão e tristeza daquela época (mas, mesmo em meio a tamanho temor, Spielberg faz questão de contrastar os escuros figurinos e os tristes cenários com a luz solar que constantemente resplandece através das janelas da Casa Branca remetendo diretamente à esperança que, em tempos sombrios, ainda persiste – sempre, claro, focalizando a figura do presidente de modo questionável).
Mas se, por um lado, Steven Spielberg, em trabalhos anteriores, esbanjava – em algumas vezes até mesmo exagerava – na dose de ação em marcantes cenas de batalhas; em “Lincoln”, por outro, o cineasta desenvolve uma narrativa lenta, com longos diálogos e monólogos e intermináveis cenas – o que, certamente, prejudica diretamente o ritmo do filme e exige maior paciência do espectador. E não é exagero algum dizer que em alguns momentos a narrativa se torne demasiada e excessiva, fazendo com que tenhamos certeza de que Spielberg cometeu alguns erros ao concluir tal versão final do longa que, certamente, poderia ser editada (deméritos para a montagem que, embora seja inegavelmente cuidadosa, possui explícitos problemas de envolvência e fluidez).
Então, mesmo que vagarosamente, o filme chega a seu ótimo clímax que – aí sim – Spielberg conduz muito bem (repare, por exemplo, no ágil corte no momento chave do terceiro ato quando o diretor opta, ao invés de manter o foco na câmera dos deputados, em focalizar em outro lugar a face aflita de Lincoln, que, assim como a maioria, recebe a tão esperada notícia de que a 13ª Emenda havia sido aprovada por meio de fervorosas badalas no sino da Casa Branca, que anunciam a “paz” que estava por vim).
Enfim, não há dúvidas de que “Lincoln” é um filme grandioso, uma obra-prima – justificando suas 12 indicações ao Oscar. Magistralmente produzido, com um roteiro ousado e seguramente colocado em prática por Steven Spielberg – no caso, adotando uma linguagem diferente de seu estilo habitual, que, sem dúvidas, dividiu e ainda dividirá opiniões. No mais, um longa que, apesar de seus problemas, nos conta convincentemente sua história baseada em fatos históricos que jamais serão esquecidos, e, sobretudo, presta uma homenagem mais do que merecida a um verdadeiro herói da humanidade – e não somente americano. Portanto, resta dizer que, sim, o filme cumpre seu papel como cinebiografia política magna, que será sempre lembrado mais pela poderosíssima atuação de Daniel Day-Lewis, personificando o presidente Abraham Lincoln, do que por ser uma obra-prima.
a) Lincoln – Trailer Oficial Legendado
b) Daniel Day-Lewis winning Best Actor for “Lincoln” (2013).
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