18 de novembro de 2020 | 05h00
Ele já encantou e divertiu o público com seus inúmeros personagens na TV, no cinema, no teatro. Foi o terrível Zeca Diabo, na novela O Bem-Amado, um jagunço que morria de amor pela mãe e pelo Padre Cícero. Ganhou o Brasil com seu impecável Sinhozinho Malta, de Roque Santeiro, citado até hoje em momentos polêmicos da política. Nascido há 90 anos, em Sacramento, Minas Gerais, Ariclenes Venâncio Martins, ou simplesmente Lima Duarte, ganha agora homenagem com exposição temática no Itaú Cultural, a partir desta quarta, 18. Mas, para visitar a Ocupação Lima Duarte, seja online ou pessoalmente, o público terá de fazer agendamento no Sympla.
Além de sua extensa carreira artística, que não se limitou a atuação, Lima é reconhecido também por ser um bom contador de histórias. Fato que pode ser conferido em sua página no YouTube, que é um deleite para seus fãs e para o público em geral. Dono de uma memória invejável, ele revela, nesses vídeos, que continua guardando recordações vivas de seu passado. E sobre essa homenagem e sua vida na área cultural, suas memórias, o ator respondeu algumas perguntas via WhatsApp.
‘Falar da velhice não é fácil’, diz Lima Duarte
Por ser esse nonagenário ativo, lúcido, dono de suas palavras e, consequentemente, ter uma carreira tão longeva, participando das mais variadas produções, pois ainda se propõe a atuar e incentivar os novatos, Lima Duarte não foge à luta e demonstra, em suas respostas, que sabe muito bem lidar com as palavras, que muitas vezes ganham um toque de poesia. E começa afirmado que a vontade de estar em cena o artista nunca perde. “É uma coisa latente, essencial, faz parte da gente, faz parte de ser o que sou, como sou, o que vi, o que aprendi, o que esqueci. Eu tenho a vontade sempre, porque eu tenho a vontade de continuar vivo”, afirma.
Como consequência dessa longevidade, como todo ser humano, vem a hora complicada de se despedir de colegas e amigos, que têm a vida por aqui não tão longa. E ele não foge à regra, afirmando ser esse um momento muito difícil, dolorido e incômodo. E, justamente no dia em que respondeu as perguntas, ele estava passeando pelo centro da cidade de São Paulo, um local que o remete a muitas lembranças. “Nós vivíamos aqui, na (avenida) São João com a Ipiranga, tomávamos aquele caldo verde no Jeca, às 3, 4 horas da manhã, esperando nossas senhoras saírem dos taxi dancings, o Tropical, que era logo ali adiante, ou o Lido, que era aqui na Ipiranga mesmo”, fala Lima, fazendo uma viagem no tempo. E vai costurando essas lembranças, que, como ele diz, são guardadas em um baú, onde “vão se acumulando”.
Ao seguir discorrendo sobre suas lembranças, surgem detalhes mais melancólicos, como ao se referir à falta de alguém que saiba do que ele está falando. “Eu andei por esses lugares e senti falta de alguém com quem eu pudesse dizer, ‘lembra como era aqui?’ ‘lembra que nós brincávamos aqui?’, ‘lembra que corríamos por aqui na São João?’”, diz o ator, que conta ainda ter visto o local onde funcionava o cine Broadway, hoje um terreno baldio. “Afinal, acho que tudo dentro de mim virou um terreno baldio, onde a gente vai jogando coisas, olhares, pessoas, sentimentos, ódios, amores. E o meu baú já está bem cheio, viu?! E eu gosto dele, portanto eu gosto de vir aqui no centro à procura do tempo perdido.”
Saindo da rua para as telas, Lima Duarte fala de alguns dos seus personagens mais emblemáticos na história da TV e do cinema brasileiros: Sargento Getúlio, criado por João Ubaldo Ribeiro, e do seu Zeca Diabo. Em tom divertido, ele acredita que os dois personagens sejam bem próximos. “Sargento Getúlio é filho do Zeca Diabo, se não for irmão, se não for pai. Eu sei que o Sargento Getúlio e o Zeca Diabo são a mesma pessoa, no fundo, eu”, constata. E deixa claro que os dois personagens estão dentro dele e que soube colocá-los para fora.
Quanto a esse período de pandemia, que obrigou a todos a se manterem reclusos, com tempo de sobre para pensar na vida, Lima acredita que se trata de um período que nos possibilitou a refletir sobre nossos atos. “Puxa vida, acho que é, também, a procura do tempo perdido, fizemos tanta besteira, perdemos tanto tempo, que agora temos de parar e pensar, o que é que temos feito na nossa vida, de todas a maneiras, elegendo essas pessoas que acabamos de eleger, tendo de viver sob a égide desse homens, que não sabem nada disso.”