O BEETHOVEN DO SERTÃO SUL-MARANHENSE
Raimundo Floriano
Leonizard Braúna, filho de Augusto Brahuna e Maria Câmara Brahuna, nasceu em Mirador (MA), no dia 20.4.1925, e faleceu em Serrinha (BA), no dia 5.7.2005, aos 80 anos de idade. Era casado com Creuza Arraes Braúna, filha de Belarmino Arraes e Maria Café Arraes, nascida em Fortaleza dos Nogueiras (MA), no dia 24.6.1924, e também falecida em Serrinha, no dia 22.10.2011, aos 87 anos de idade. Esta é a única foto de que disponho do casal:
Casados desde 10.8.1946, tiveram 10 filhos, pela ordem de nascimento: Augusto Agripino Braúna, Ana Lúcia Braúna Alencar de Arruda, Marlene Braúna Santos, Jorge Luís Wagner Arraes Braúna, Lea Maria Arraes Braúna, Afonso Ernani Arraes Braúna, Eurilo Cleantes Arraes Braúna, Raimunda das Luzes Arraes Braúna – a Dica –, Carlos Weber do Brasil Braúna e Mário César Nabantino Braúna, que lhes legaram uma prole de 19 netos e 9 bisnetos, até agora.
(Esses dados biográficos foram-me gentilmente fornecidos pelo amigo Jorge, barbudão)
Na foto abaixo, obtida em dezembro de 2007, nos 60 anos do Augusto, em Serrinha, falta a Marlene, que não pôde comparecer à festa, por motivo de força maior:
Dica, Augusto, Mário, Ana Lúcia, Eurilo, Léa,
Dona Creuza, Carlos, Jorge e Ernani
Leonizard foi uma das mais preciosas amizades que tive na vida. Exemplo de homem e de músico, muito me orientou como proceder, tanto na atividade carnavalesca, como no modo de me conduzir na família, no civismo e no amor a Deus.
Na Música, ele teve um grande Mestre, o Padre Constantino, de Pastos Bons, que lhe ensinou todos os segredos da pauta e instrumentais, deixando-o no ponto de escrever partituras com mestria e executar, com virtuosidade, estes instrumentos: trombone, clarineta, saxofone, pistom e gaita de boca.
Todas as vezes em que eu chegava de férias a Balsas, ele já me presenteava com um litro da melhora cachaça fabricada na região – até eu descobrir que era diabético, isso em agosto de 1990, era minha única bebida alcoólica, pois jamais bebi cerveja. E, quando eu comparecia a sua residência, ele, imediatamente, me ofertava um cálice da branquinha, ao mesmo tempo que Dona Creuza, lá na cozinha, já providenciava o tira-gosto.
Em Balsas, tocamos no Clube, na Liga, na Zona, em residências e, principalmente, nas ruas, em verdadeiros blocos de sujo, onde o povão brincava pra valer.
Edwaldo, Leonizard e Raimundo, no Clube Recreativo Balsense
Raimundo Leonizard, Dumingau e Gemi, na ZBM de Balsas
Houve um grande momento vivido por nós dois, que faço questão de registrar.
No ano de 1978, tive grande surpresa e decepção, chegando a Balsas para tocar o Carnaval, ao saber que Lenizard pegara um contrato e estava de partida para o Riachão, onde tocaria os 4 dias, no Clube de lá. Aquilo arruinou meu ânimo, acabou com minha alegria foliona. E, do sábado à segunda-feira gorda, fiquei no CRB, ajudando a Banda FM, do Félix, tocando sem entusiasmo e imaginando: o que será de meu amigo a essas horas? O Félix dispõe de poderosa parafernália eletrônica, potentes amplificadores, guitarras, baixo, Riba no teclado, Gemi na bateria, Edwaldo na sanfona, Edinho e Martinho nos sax e Zé Raimundo – do Riachão, vejam só – no pistom. Enquanto isso, meu amigo está lá no Riachão, sem amplificador, caixas de som, coadjuvado apenas pela bateria do Dumingau e seus batuqueiros, arrebentando-se sozinho, revezando-se nos instrumentos de sopro!
Na madrugada da terça-feira, não aguentei mais. Ao sair do CRB, peguei meu fusquinha e rumei para o Riachão. Cheguei lá ainda em tempo de alcançar o café da manhã. Leonizard, ao me ver, deu – literalmente –, pulos de alegria. E programou logo um desfile, que se constituiu no Primeiro Carnaval de Rua do Riachão, com a Didi, Tabeliã, na frente, como porta-estandarte.
E, à noite, no Clube, com meu trombone de vara botando pra derreter nas introduções, tive que cantar, umas vinte vezes, o sucesso do ano, ali ainda desconhecido, Ai, Que Vontade, samba de Oswaldo Nunes, cujo início malicioso assim dizia: “Ai que vontade de meter a cara no mundo”. Foi tremenda apoteose!
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Esse artista, felizmente, não foi esquecido pelas pessoas que verdadeiramente o amaram enquanto viveu. Em Serrinha, seu filho Augusto Braúna, médico e músico, naugurou o Espaço Lenonizard Braúna, anexo a sua residência, onde, semanalmente, se reúnem a nata da intelectuais, instrumentistas, compositores e vocalistas da cidade, em saraus que varam as madrugadas:
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Quando ouço alguém a enaltecer os dotes musicais de pessoa que toca mais de dez instrumentos, e os especifica: surdo, repenique, tarol, cavaquinho, banjo, violão, bandolim, sanfona, piano, órgão, clarineta, saxofone e outros mais, todos de percussão, corda, teclado e palheta, não resisto à tentação de especular:
– E quantos de bocal?
– Bom, de bocal, nenhum – é a resposta.
Porque, meus camaradinhas, com instrumento de bocal é preciso estudo, é essencial força no bico, é imprescindível a firmeza no lábio superior, a trombada é federal. Conheci, durante todo esse tempo em que tenho convivido com a iluminada classe, um único músico que, num baile, ficava a se revezar no trombone – bocal –, no saxofone – palheta –, na clarineta – palheta – e no pistom – bocal –, por cinco, seis horas, sem jamais quebrar as embocaduras, as notas mais cristalinas e redondas à medida em que a função se prolongava.
Não bastasse tudo isso, era um virtuoso na gaita de boca. Refiro-me ao Maestro, arranjador, compositor, instrumentista, autodidata, o fora de série, que atendia pelo nome de Leonizard Braúna, esse mesmo de quem lhes falo, para mim o Beethoven do sertão sul-maranhense. De um mortal comum, o instrumento de bocal requer muito esforço, dedicação e persistência.
E é em homenagem a esse inesquecível amigão que lhes trago uma amostra nos instrumentos supracitados. Leve-se em conta que os registros se deram, em 1974, na varanda de sua casa, utilizando-se pequeno gravador de fita cassete. Participaram Edwaldo, na sanfona, Waltinho Queiroz, no violão, e Dumingau, no pandeiro.
SOLO DE CLARINETA
Lágrimas de Namorados, chorinho de Saraiva:
SOLO DE PISTOM
Dolores Sierra, samba-canção de Wilson Batista e Jorge de Castro:
SOLO DE TROMBONE
Clementina, samba de João Nogueira:
SOLO DE SAXOFONE
Capricho Cigano, tango de Mário Zan, e Entre Espumas, tango de Roberto Muller:
SOLO DE GAITA DE BOCA
Sempre no Meu Coração, bolero de Ernesto Lecuona. (Gravação feita em Serrinha, com a participação do conjunto de Augusto Braúna.