A simplicidade de cada homenagem
– Bom dia véia! Hoje, de manhanzinha e ainda bem cedinho, logo adispois que o galo Vremeio cantou, taquei a mão na tua rede e num encontrei mais nada. Foi só assim que me alembrei que tu tá com Deus, derna do último domingo. Tomara teja bom aí pra tu, véia. Apois aqui, num tá nada bom pra mim. A sardade é do tamanho da solidão – coisa maior do mundo, e sem precisa de contar a farta que tu me faiz.
Como se fizesse uma oração, foi assim que Tertuliano visitou pela primeira vez o túmulo onde Beatriz foi enterrada na tarde triste do último domingo. Viveram mais de 60 anos juntos – na verdade, 64, para ser mais preciso. E, 64 anos é mais que uma vida nos dias de hoje.
Seu “Terto”, como era mais conhecido no lugar aonde moravam, conhecera Beatriz, a “Dona Bia”, durante os seculares festejos da Igreja Matriz São Sebastião, no mês de janeiro.
Dona Bia, ainda jovem, fora encarregada pela mãe para tentar ajudar a família, vendendo milho verde cozido e assado na brasa. Seu Terto, trabalhador de quase todas as roças daquele lugar, era preferido por meeiros – devido a sua retidão e honestidade. Era um homem rude, mas muito confiável.
Durante os oito dias dos festejos, Seu Terto e Dona Bia conversaram – o que para muitos já se transformara em namoro. Acabaram casando com o assentimento das duas famílias. Tiveram filhos, viviam do trabalho honesto, o que já era um adorno para o viver bem daqueles tempos.
Dona Bia faleceu. Tinha 66 anos quando chegou a hora dela – tal como vai chegar a de todos nós. Quando Dona Bia faleceu, os filhos que nasceram do casal já viviam suas vidas em particular. Todos casados. Os dois, Bia e Terto passaram a morar só. Quando Dona Bia faleceu, Seu Terto ficou ainda mais só. Só e triste. Demorou para se acostumar com a realidade.
Todos os dias se deslocava por mais de cinco léguas, para levar flores ao túmulo da “véia”. Essa é uma das muitas demonstrações de amor entre pessoas simples e pobres – em desuso nos dias atuais.
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As mudanças que não conhecemos
Ontem, sem perceber que os anos se passaram e que envelheci, parei de ler, fechei o livro e fiquei observando o direito sagrado do ir e vir das estrelas, durante a noite.
Fiz a mim mesmo uma pergunta:
– Por que os nossos direitos de ir e vir, não são assim, como o das estrelas?
Ninguém me respondeu. Não obtive resposta alguma. Nem mesmo de mim próprio, a quem fora perguntado.
– Por que as estrelas podem, e nós não?
Eis que uma voz distante, que provavelmente somente eu ouvia, respondeu trombeteando:
– Pois, transforme-se numa estrela!
Me bastou a resposta da minha imaginação. Me bastou o campo ocupado do meu tempo – e, assim, quase tudo me bastou.
Reabri o livro. Continuei a leitura. Mas, com o pensamento viajando – sempre para o passado efervescente da juventude – voltei a fechar o livro. Agora, deixando-o cair ao chão de forma proposital.
Voltei o pensamento para a primeira namorada. Corpo bonito. Limpo de estrias, celulites ou quaisquer outros problemas. Corpo jovem, enfim.
– Por que envelhecemos? Que razão há para isso? Por que não permanecemos eternamente jovens?
Eis que, distante dali, aquela mesma voz que interferiu no primeiro texto, longe e agora mais suave, sugeriu:
– Pois, transforme-se numa estrela!
Corpo jovem feminino – o desenho da beleza